Filmar a vida, isto é, viver o cinema

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Jacques Demy faleceu a 27 de Outubro de 1990, vítima de sida, contava 59 anos. O seu derradeiro filme, Trois Places pour le 26 (1988), foi ainda um musical, retomando o estilo de clássicos como Os Chapéus de Chuva de Cherburgo (1964) e As Donzelas de Rochefort (1967). Logo após a sua morte, Agnès Varda, casada com Demy desde 1962, empreendeu um minucioso trabalho de reorganização das memórias do marido que daria origem ao filme Jacquôt de Nantes.

Como seria de esperar, Jacquôt de Nantes possui uma fortíssima dimensão documental: Varda vai buscar muitas memórias pessoalíssimas (objectos, desenhos, fotos, pequenos filmes "amadores") que nos trazem a pulsação de uma intimidade sempre marcada pelo amor do cinema.

Em todo o caso, seria demasiado simplista definir Jacquôt de Nantes como um documentário. Desde logo porque Varda "reconstitui" muitas cenas da vida de Demy, em particular do período da descoberta do cinema, vivido na cidade de Nantes. Mas também porque, no limite, o seu trabalho aposta em mostrar que, para Demy, não havia nenhuma barreira formal ou moral entre a vida vivida e a vida filmada.

Nesta perspectiva, Varda celebra em Demy e na sua obra a consagração de uma das crenças fundamentais dos autores da Nova Vaga francesa: mais do que filmar para "representar" a vida, trata-se de assumir o cinema como uma escolha visceral de vida. E também uma hipótese de reinvenção dos seus valores.

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