Filmagens ilícitas
Tenho três filhos menores de idade. Se um dos meus filhos for fotografado ou filmado por um estranho sem a minha autorização, esse estranho comete um crime. Dito de outro modo, a realização de fotografias ou filmagens de crianças sem autorização dos respectivos pais é, em princípio, uma conduta ilícita punível pela lei penal. De igual modo, a divulgação de fotografias e filmes de crianças licitamente realizadas, mas cuja divulgação não tenha sido autorizada pelos pais, também constitui crime. Mais: se a divulgação das imagens da criança for feita pelos meios de comunicação social, a pena aplicável é agravada de um terço nos seus limites máximo e mínimo. Em qualquer caso, o procedimento criminal depende da queixa do ofendido. No caso de ofendido menor de 16 anos ou sem discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa criminal, este direito pertence ao representante legal do ofendido.
Com efeito, a lei penal tutela o direito à imagem de forma muito rigorosa. A imagem de uma pessoa só pode ser colhida e difundida com o seu consentimento. Tratando-se de uma criança ou de uma pessoa com deficiência mental, o consentimento compete ao seu representante legal. A protecção penal do direito à imagem não está sequer associada à reserva da vida íntima ou privada. O direito à imagem é um bem jurídico autónomo, que não depende do carácter íntimo ou privado das imagens. Portanto, a captação das imagens constitui crime mesmo que a pessoa que colhe as imagens não tenha devassado a intimidade ou privacidade da pessoa fotografada ou filmada. Há, contudo, três restrições imanentes à tutela penal do direito à imagem.
Primeiro, as imagens não são ilícitas se tiverem sido feitas pela própria pessoa fotografada ou filmada ou por um terceiro autorizado por aquela pessoa. Por exemplo, não é ilícita a divulgação em meios de comunicação social de reproduções de fotografias, sem prévio consentimento do fotografado, se tais fotografias tiverem sido obtidas por terceiros com a anuência do fotografado e publicadas numa revista de grande difusão.
A segunda restrição ao direito à imagem resulta da notoriedade social da pessoa fotografada ou filmada. As imagens não são ilícitas se disserem respeito a pessoas com notoriedade social, qualquer que seja a razão desse notoriedade. Por exemplo, não é ilícita a utilização em programa de televisão, que aborda e debate factos de interesse público, da imagem de um delinquente bem conhecido da comunidade pelos crimes que cometeu e por uma fuga que protagonizou, sem autorização desse uso pela referida pessoa.
A terceira restrição ao direito à imagem reporta-se ao ambiente em que foram captadas as imagens. Não são ilícitas as imagens captadas de pessoas que se encontrem em lugares ou eventos públicos. Quando a imagem da pessoa está enquadrada num cenário público, não se destacando dele, o anonimato da pessoa fica preservado. Não é a pessoa o centro da imagem, mas o cenário. Quando a pessoa seja o centro, a razão de ser da imagem, a captação da imagem sem a sua autorização já é ilícita, mesmo que ela se encontre em lugar ou evento público. Por exemplo, são ilícitas as fotografias de alguém no seu local de trabalho, contra a vontade do visado, com desinserção de qualquer enquadramento ou paisagem públicos. Como ilícita é a filmagem de crianças na escola ou no recreio, sem o consentimento dos seus pais, para fins comerciais ou políticos, como por exemplo, a realização de um spot publicitário ou eleitoral. A exploração sem a devida autorização da imagem das crianças para os referidos fins viola o seu direito à imagem. E os pais têm o direito de se queixarem.