Filipe Albuquerque: "Nós, portugueses, estamos muito bem-vistos fora do país"
O dia seguinte foi passado de olhos postos no relógio que é oferecido a quem vence as 24 Horas de Daytona: Filipe Albuquerque tinha horários para cumprir e viagens para fazer, já que não condicionara os planos perante a eventualidade de ganhar, "para não dar azar". A sorte recompensou-o: domingo, o piloto português [à direita, na imagem] venceu finalmente a mais emblemática corrida de resistência dos EUA, ao volante do Cadillac da Mustang Sampling/Action Express partilhado com o compatriota João Barbosa e com o brasileiro Christian Fittipaldi. Ontem, conversou com o DN.
O que é que lhe passou pela cabeça, ao ver a bandeira xadrez e cortar a meta?
Foi uma sensação de alívio enorme, de trabalho cumprido. E, claro, vieram-me à memória as dificuldades que tive para chegar até lá, não só durante a corrida mas também pelo que se passou no ano passado, em que estive tão próximo de conseguir a vitória e perdi-a a sete minutos do fim, de maneira um bocado controversa. Este ano, estar lá outra vez, passar por uma corrida tão competitiva, e consegui-la finalmente foi mesmo uma grande alegria.
A desilusão de 2017 [perdeu o 1.º lugar nos minutos finais, após sofrer um toque de um adversário, que não foi penalizado] ainda estava muito presente na vossa memória e fez pairar alguma incerteza até final, não foi?
Sem dúvida alguma. A derrota do ano passado ficou muito presente. Toda a gente me dizia "este ano é que para ganhar, não é para fazer como no ano passado". Por mais carinho que quisessem dar, as pessoas acabavam por tocar na ferida do que tinha acontecido. Portanto, resolver isso no ano a seguir, com uma vitória: bolas, é incrível!
Essa façanha tem ainda mais significado por ter juntado dois portugueses no pódio, algo histórico para o automobilismo nacional.
Sentimos uma alegria muito grande. E não fomos só nós em destaque [António Félix da Costa foi 5.º na categoria principal, Pedro Lamy partiu da pole em GTD e Álvaro Parente acabou em 2.º nessa mesma disciplina]. Ficaram três dos cinco no pódio. Nós, portugueses, estamos muito bem vistos cá fora: somos conhecidos conhecidos por ser rápidos e profissionais, não aqueles que levam patrocínios ou pagam [para correr]. É fantástico termos esse nome no mercado.
Quais foram as vossas maiores dificuldades nesta prova?
Nas últimas seis horas deparámo-nos com um problema muito grave de sobreaquecimento do motor. Não sabíamos como havíamos de fazer, porque iríamos perder muitas voltas para resolvê-lo: tivemos de optar por poupar o motor. Acabou por correr bem, mas não sabíamos quando é que o motor iria parar, porque estava muito quente... Eu estava cerca de cinco/seis segundos mais lento. Tinha três voltas de avanço, mas essa distância acabou reduzida a nada até à última volta... Acabámos todos na mesma volta, sem margem nenhuma: foi a contar os segundos.
O sucesso dependeu dessa gestão?
Sim, da capacidade de gestão da equipa. Os engenheiros iam dizendo quanto é que eu tinha de tinha de fazer e pondo-me a par de onde é que eles [os perseguidores] estavam. Vi-os a recuperarem voltas, passaram-me várias vezes... Estar ciente disso e, ao mesmo tempo, gerir o motor, para que não desistisse por completo, foi um equilíbrio muito delicado. Quanto mais forçava, mais arriscava partir o motor, mas queria a vitória. Foi mesmo um equilíbrio muito, muito, delicado.
Valeu a pena: não só venceram como acabaram com o recorde de voltas percorridas nas 24 Horas de Daytona (808). Foi a cereja no topo do bolo?
Sim, é verdade. Acabar com o recorde da distância foi espetacular. Se não tirássemos o pé, o recorde era ainda maior, mas assim já ficámos muito contentes.
Foi mais especial para si ter sido quem ficou a responsabilidade de começar e terminar a corrida?
Sim.Se calhar, a equipa também quis que eu acabasse devido à história do ano passado. Foi engraçado ter sido, embora tanto eu como o João e o Christian estivéssemos mais do que qualificados para fazer o trabalho.
Como é que vocês, uma equipa 100% lusófona, encaixaram tão bem?
Todos queremos o mesmo do carro: a afinação é muito mais simples. Já nos conhecemos há dois anos e meio, este é o terceiro ano em que corremos juntos e isso tem dado frutos. O ano passado ficámos em2.º, este ano ganhámos. Em 2017 também vencemos o campeonato. Tem sido espetacular.
Nesta edição das 24 horas de Daytona participaram muitas vedetas do automobilismo mundial, incluindo o espanhol Fernando Alonso. Isso tornou a vossa vitória ainda mais saborosa?
Sim, quanto mais heróis estiverem na pista, melhor é. É gratificante ganhar saindo de uma grelha com grandes nomes: as notícias vão ser espalhadas por todo o lado por causa desses heróis, as pessoas vão querer saber quem ganhou... e foram esses dois portugueses e um brasileiro. É espetacular.
Este terá sido também o triunfo mais mediático da sua carreira, a seguir àquela Corrida dos Campeões de 2010 [em que derrotou Sebastien Vettel e Sebastien Ogier].
Exatamente! Já me disseram "lá estás tu outra vez a ganhar a Corrida dos Campeões", porque esta corrida eram só campeões também: teve a sua piada.
E, agora, que desafio se seguem para o resto da temporada?
Vou continuar com a equipa no IMSA WeatherTech SportsCar Championship [campeonato norte-americano de resistência] e a ideia é sermos novamente campeões. A próxima prova é as 12 horas de Sebring, que também é uma corrida muito mediática. É para ganhar.