Fidel e Che. A amizade que marcou a revolução

O médico argentino conheceu o futuro líder cubano no México e bastou uma conversa para que os destinos de ambos ficassem ligados. Che Guevara ganhou a confiança de Fidel Castro e assumiu cargos importantes no seu Governo. Os seus desentendimentos foram, para o autor Reid-Henry, um golpe de teatro
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"Ter conhecido Fidel Castro, o revolucionário cubano, é um acontecimento político. É jovem, inteligente, seguro de si e de uma audácia extraordinária: creio que a empatia foi mútua", escreveu Ernesto Guevara, num livro editado poucos meses depois de conhecer o futuro líder cubano. Che, como o argentino ficou conhecido, encontrou Fidel na Cidade do México em julho de 1955. Foi o início de uma amizade de 12 anos que, apesar dos altos e baixos, só terminou com a morte do médico e iria marcar a história mundial.

O anti-imperialismo juntou-os e uniu-os. Che Guevara já tinha feito as suas (agora) famosas viagens pela América Latina, vivenciando em pessoa as desigualdades do continente e procurava algo concreto para mudar a situação. Encontrou-o em Fidel, que acabara de deixar Cuba num exílio forçado após ter estado preso pelo assalto ao quartel Moncada, mas preparava já o plano para regressar à ilha e fazer a revolução. Após a primeira conversa, que durou toda a noite, Che tinha sido escolhido como médico da expedição.

A primeira vez que Che pôs os olhos em Cuba ia a bordo do iate Granma e estávamos em dezembro de 1956. O argentino era o único estrangeiro no meio de 80 cubanos, mas tinha cantado com eles o hino de Cuba pouco depois da partida do México. Três anos depois, após a vitória na Sierra Maestra, a primeira medida oficial de Fidel foi dar a nacionalidade cubana a Che, que tinha ascendido ao posto de comandante da guerrilha durante a revolução.

A amizade entre estas duas personagens tão distintas - Che era reservado, enquanto Fidel era exuberante - intensificou-se na Sierra Maestra, com o argentino a ganhar rapidamente a confiança do cubano. Che assumiu a liderança de uma coluna de guerrilheiros e ficou responsável pela formação dos novos recrutas. Com a vitória da revolução em 1959, iria ficar responsável pelo Banco Nacional e depois pelo Ministério da Indústria.

Na troca de missivas entre os dois percebe-se como Fidel confiava na leitura dos acontecimentos que lhe fazia o argentino. E como este confiava nas decisões de Fidel. Isso não significa que entre ambos não houvesse desentendimentos, mas segundo Simon Reid-Henry, autor do livro Fidel & Che: Uma Amizade Revolucionária, muito do que passava para o exterior era quase como um teatro. Nomeadamente após a vitória.

Che, cuja ligação ao comunismo era mais forte, ficava com o papel de apresentar ao mundo uma visão mais extrema da revolução. Fidel surgia com uma visão mais moderada, por vezes irritando o argentino, mas acalmando a situação em relação aos que olhavam de lado para os barbudos. Em especial os norte-americanos. A revista Time apresentou em agosto de 1960 Che na capa: sobre um ombro, Nikita Kruchtchev, sobre o outro Mao. No interior, Guevara era apresentado como "o cérebro de Castro".

Essa divisão entre a doutrina soviética e a chinesa também dividiu Fidel e Che. O líder cubano não queria irritar os soviéticos, procurando tirar partido de uma aproximação à URSS, mas o argentino criticava a burocratização de Moscovo e estava impaciente por voltar a pegar em armas e "libertar" todo o continente.

Fidel sabia que a América Latina não estava preparada, mas sabia também que seria impossível travar Che, que desprezava o individualismo e vivia na noção do "Homem Novo", de desprendimento e alienação. "Che modelou a sua visão sobre o "Homem Novo" em parte a partir de Fidel, enquanto Fidel construiu o seu arquétipo do "sacrifício pessoal e trabalho duro" do verdadeiro revolucionário sobre o exemplo de Che", escreveu Reid-Henry.

Finalmente, o lado revolucionário foi mais forte e Che parte para o Congo. O desaparecimento do argentino cria uma série de rumores sobre o desentendimento entre os dois homens, que só acabam quando Fidel lê a carta de despedida de Che, a 13 de outubro de 1965. "Orgulho-me de ter-te seguido sem vacilar, identificado com a tua maneira de pensar e de ver e apreciar os perigos e os princípios", escreveu. "A minha única falha com alguma gravidade foi não ter confiado mais em ti desde os primeiros momentos na Sierra Maestra", escreveu o argentino, abdicando de todos os cargos em Cuba e da própria nacionalidade porque "outras terras do mundo" reclamavam os seus "modestos esforços".

Mas Che não partia sozinho no seu sonho de internacionalizar a revolução, mantendo sempre uma ligação a Fidel. A missão no Congo foi desastrosa, mas seria na Bolívia que o argentino iria acabar os seus dias. Cercado pelo exército boliviano em La Higuera, foi preso e depois executado. "Acalma-te, só vais matar um homem", terá dito ao carrasco. "Sonho muito com o Che. Sonho que está vivo, no seu uniforme, sonho que conversamos", disse um dia Fidel numa entrevista, citada por Reid-Henry.

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