Fidel disse até um dia. Marcelo diz até sempre

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Podia ter cumprido os mínimos, mas não o fez. O encontro aconteceu há um mês e Fidel foi, nas palavras de Marcelo, muito simpático.

"Espero voltar a falar contigo." O desejo de Fidel ficou expresso na dedicatória que fez a Marcelo Rebelo de Sousa. O livro de fotografias autografado pelo líder histórico da revolução cubana terá, com certeza, lugar de destaque nas prateleiras de Belém, onde o professor, agora Presidente, habita profissionalmente. Melhor ainda foi estar cara a cara com aquele que é, para o bem e para o mal, uma das figuras mais marcantes da história do século XX.

Marcelo não levava grandes expectativas, para não correr o risco de as ver frustradas. O pedido tinha sido feito, a resposta tinha sido positiva, mas trazia várias condições acopladas. Fidel Castro só recebia Marcelo Rebelo de Sousa se nesse dia os 90 anos do líder histórico o permitissem. Podia acordar cansado. O seu estado de saúde podia ter piorado. Ou podia, pura e simplesmente, não lhe apetecer. Mas, se lhe apetecesse, Marcelo tinha de ir sozinho. Não há cá jornalistas, nem assessores, nem fotógrafos oficiais. As fotografias seriam tiradas pelo filho do próprio Fidel e disponibilizadas depois ao senhor Presidente. Marcelo aceitou todas as condições e esperou, pacientemente, pela hora do encontro. Onde? É secreto. A que horas ao certo? Sigilo absoluto. E o que vai o senhor Presidente dizer a Fidel Castro? Silêncio. Falamos depois.

A coincidência de datas não passa disso mesmo. De uma coincidência. A 26 de outubro de 2016 Marcelo Rebelo de Sousa encontra-se com Fidel Castro. A 26 de novembro de 2016 Fidel Castro morre (se tivermos em conta a hora portuguesa). Exatamente um mês depois. Não era preciso acrescentar mais peso ao encontro, mas, sem querer e sem saber, Marcelo acaba por se tornar um dos últimos chefes de Estado a visitar Fidel Castro. E como Marcelo gostou daquele encontro! "Ele foi muito simpático comigo. Podia ter cumprido os mínimos, mas não o fez", conta orgulhoso consigo próprio. Em circunstâncias normais é Marcelo Rebelo de Sousa que assume as despesas de uma conversa. No melhor "boneco" humorístico feito ao então comentador televisivo pelos Gato Fedorento, Marcelo pergunta, dá a resposta, analisa, faz a contra-análise, dá a sua versão dos factos e faz de imediato o contraditório, tudo isto no espaço de segundos, a um ritmo que está ao alcance de poucos. Não foi esse Marcelo que esteve com Fidel Castro. Foi outro. Foi um Marcelo que ouviu muito e falou muito pouco. Um Marcelo que bebeu cada palavra, sobre cada um dos assuntos que abordaram durante cerca de uma hora. Quais assuntos? Isso agora...

A veia jornalística de Marcelo faz dele um contador de histórias por excelência. A primeira coisa que fez quando se encontrou com a rainha Isabel II foi contar-lhe uma história sobre a visita dela a Portugal. A primeira coisa que Marcelo contou aos jornalistas depois do encontro com Fidel foi como na sua juventude acompanhava à distância e com muito interesse o percurso deste homem e a sua luta pela revolução. "Mesmo discordando dos ideais que ele representa, como sabem." Sabemos. Se Marcelo também falou da sua juventude a Fidel, isso é que não sabemos, mas que falaram de Portugal, da Europa, dos Estados Unidos e do bloqueio a Cuba, isso falaram. O Presidente da República não dá detalhes porque não é de bom-tom "revelar conversas privadas", mas no caso do bloqueio e dos Estados Unidos não é segredo para ninguém o que pensa Fidel Castro. Marcelo tinha boas notícias para dar nesse capítulo. Portugal estava ao lado de Cuba, contra o bloqueio e era essa a posição que ia expressar nas Nações Unidas na votação, mais uma, de uma resolução sobre este assunto.

Fidel é eterno

Não é preciso ir à Praça da Revolução para sentir a presença de Fidel Castro. Direta ou indiretamente, ele está em todo o lado. Pode ser nas fotografias espalhadas pelas paredes de uma fábrica de charutos ou nas ruas esburacadas por onde ainda circulam centenas de carros que já morreram e ressuscitaram três vezes e ainda andam. Havana, apesar de toda a transformação que já sofreu, apesar do turismo de massas, ainda é Fidel. Pelo que não se desenvolveu em virtude do bloqueio económico, pelos símbolos da revolução que levou a esse bloqueio, Fidel parece omnipresente. Não há turista que não pergunte por ele e não entre no Hotel Nacional sem imaginar aquela figura barbuda, de charuto na boca, a discutir política com os dentes cerrados de convicção. Não há aldeia, vila ou cidade que não o invoque, não há cartaz de propaganda política que não o cite. E essa é uma enorme diferença de Fidel Castro para outras figuras da história. É que, ao contrário de outros, Fidel não teve de esperar pela morte para se tornar o símbolo de uma nação. Ele foi-o em vida e continuará a sê-lo depois de morto.

Subdiretor da TSF e enviado do DN e da TSF a Cuba em outubro

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