Ficção documenta-se na vida real
É a confirmação. A inteligente série policial CSI Crime Scene Investigation, centrada na investigação na cena do crime, tem conquistado os portugueses. Tanto é verdade que a série norte-americana ficou cativa na SIC, seguindo depois caminho até ao cabo no canal AXN. Desde sempre que a ficção que relata investigação de crimes de sangue foi passaporte para o sucesso, por isso é comum os produtores de televisão agarrarem as ideias, umas mais sofisticadas, como o CSI, outras mais simples, como o português Inspector Max da TVI.
Detentora de considerável audiência, a série norte-americana inova pela técnica de investigação refinada. Em cada episódio, um grupo da polícia forense analisa de forma fria e calculista cada detalhe do crime, indiferente à sua insignificância ou ao grotesco, na tentativa de obter uma solução. Cumprindo objectivos, a Polícia Científica tem a seu lado a ciência e a experiência para decifrar crimes que pareciam ser irresolúveis.
Apesar do êxito, e talvez por ele, o CSI levanta várias questões. Especialistas afirmam que o sucesso da investigação na série pode gerar expectativas irreais no público, relativamente à Polícia Científica, já que cada episódio termina feliz com a equipa de investigadores a aplicar engenhosamente a ciência repleta de recursos ao seu dispor. Naturalmente que o mundo fantasista da ficção, obrigatório em qualquer argumento que se quer bem sucedido, implica uma envolvência que não se adapta à vida real, mesmo a uma realidade tão diferente da portuguesa como é a norte-americana. Para estabelecer uma comparação e conhecer os métodos da polícia forense em Portugal, o DN visitou o Laboratório de Polícia Científica, onde falou com vários especialistas, entre eles a directora do laboratório. Saudade Nunes, apesar de sublinhar que não vê CSI, assegura que "as coisas não são comparáveis, aquilo é ficção". "O facto de, na série, em cinco minutos haver um resultado, não pode ser interpretado da mesma forma em termos reais. Há taxas de êxito e há coisas que não se conseguem resolver, aqui e em todo o mundo", alerta.
Durante a visita ao laboratório o DN percebeu que, contrariamente ao que acontece em CSI , as equipas da Polícia Científica não interrogam testemunhas ou suspeitos e podem até nem recolher os vestígios no local do crime. Ainda mais afastadas da forma de actuação da Polícia Científica estão as personagens de Inspector Max, onde a maioria dos agentes são detectives que procuram desvendar crimes e não cientistas que se debruçam exclusivamente sobre a identificação de vestígios.
Em Portugal, quem vai ao local do crime é a Investigação, apoiada pela Polícia Técnica, que recolhe e transporta os vestígios até ao Laboratório de Polícia Científica e tem também a seu cargo as impressões digitais (vestígios lofoscópicos). Tudo o resto, como material balístico, testes de ADN e o que esteja relacionado com química, física ou biologia, é entregue ao laboratório.
"Se a Investigação entender que a situação exige a intervenção dos peritos, estes deslocam-se ao local do crime e fazem a recolha. De qualquer forma, a própria Investigação tem formação que é dada por nós para fazer esse trabalho", explica Saudade Nunes. Ou seja, no local do crime, a Investigação decide se naquela situação concreta deve chamar o laboratório, mas é a pedido dos órgãos da Polícia Criminal e dos Tribunais que aquele departamento da Polícia Judiciária realiza as perícias.
"Nós não dominamos o todo da investigação, fazemos apenas análises que podem ter resultados ou não, até porque o resultado que obtemos pode inclusivamente fazer com que a investigação seja dirigida noutro sentido. A técnica e a ciência não resolvem tudo, senão era fácil, introduziam-se os dados no equipamento e saía o resultado", refere a directora da Polícia Científica. Mas as técnicas engenhosas apresentadas em CSI, não obstante ser um programa de entretenimento, levaram o DN a querer saber se diferem muito da realidade. "Não me parece que quem faça uma série deste género, e para que tenha credibilidade , não se documente, mas não é um documentário", frisa Saudade Nunes.
Na Polícia Judiciária, há a carreira de Investigação e os profissionais da carreira de Apoio à Investigação que trabalham no Laboratório de Polícia Científica. O laboratório tem várias áreas, como a Escrita Manual, a Toxicologia , a Balística, com um sector de armas e outro de marcas, e a Química, com um departamento de incêndios, outro de explosões, sprays lacrimogéneos e de reavivamentos por números de série. As fibras, resíduos de disparos, vidros, colas e a moeda metálica são analisados na área da Física, examinam-se nos Documentos passaportes, cartas de condução, cartões de crédito e moeda papel , e por fim a Biologia para resíduos biológicos.
Uma imensidão de produtos possíveis em quantidades variáveis desafiam diariamente os técnicos do laboratório, nomeadamente no acautelamento da contaminação dos vestígios. Os equipamentos da Toxicologia (sistemas automáticos de análise, semelhantes aos utilizados no CSI) trabalham autonomamente 24 horas por dia, 365 dias por ano. Segundo os especialistas, o Laboratório de Polícia Científica, quando foi criado, estava entre os melhores da Europa. "Sempre tivemos o privilégio de estar à frente nos avanços tecnológicos", explica Álvaro Lopes, responsável pela Toxicologia. A formação dos peritos portugueses é realizada na Europa e nos Estados Unidos.