Festival MIMO fez um som jazz aqui
Make a Jazz Noise Here foi o último disco ao vivo lançado por Frank Zappa em vida. Vem isto a (des)propósito da segunda noite do Festival MIMO, marcado de forma indelével pelo jazz em diversas tonalidades. A par da música popular brasileira (MPB) de primeira água de Hamilton de Holanda e O Baile do Almeidinha, entreteve a multidão que encheu o Parque Ribeirinho de Amarante. E demonstrou que o jazz contemporâneo pode ser popular.
Da noite de sábado o grande nome era o multipremiado compositor e pianista Herbie Hancock. Rodeado de instrumentistas da mesma igualha (o baterista Vinnie Colaiuta, o saxofonista e produtor Terrace Martin, o guitarrista Lionel Loueke e o baixista James Genus), o veterano músico apresentou-se jovial e risonho, em especial quando comunicava com o público (que recebeu de Herbie o epíteto de "o melhor"). O espetáculo incidiu numa revisitação dos clássicos do norte-americano, como Actual Proof, Chameleon ou Cantaloupe Island e foi o que se esperava: competente, com os temas mais conhecidos, ou os mais funky, a receberem maior recetividade e, como é de esperar num festival de portas abertas, as digressões menos melodiosas a causarem maior indiferença.
Outros dois espetáculos tocaram tanto ou mais aos espectadores do que o de Herbie Hancock. Primeiro, o de Anne Paceo. A baterista francesa trouxe ao pátio do Museu Amadeo de Souza-Cardoso a formação Cercles. Com a voz etérea de Leila Martial, o saxofone de Emile Parisien e os teclados de Tony Paeleman, Paceo brindou os presentes com uma prestação a um tempo enérgica e poética, virtuosa mas subtil, numa palavra, elegante. Recorrendo a uma parafernália de baquetas e de adereços para extrair uma paleta de sons da bateria - mas sem nunca desequilibrar o peso do instrumento no conjunto do grupo - a também compositora não escondeu a felicidade que sentia enquanto atuava e essas boas vibrações chegaram ao público, que respondeu com estrondo. Anne Paceo, um nome a fixar.
Nomes conhecidos do público da primeira edição do MIMO, Hamilton de Holanda e O Baile do Almeidinha voltaram a fazer festa rija. Desta vez o bandolinista teve o acompanhamento vocal de Mayra Andrade, se bem que em menos de uma mão-cheia de temas. Com sotaque brasileiro, a cabo-verdiana interpretou temas da MPB e pôs o público a cantar Sôdade, popularizada por Cesária Évora. No final, voltou ao palco e fez uma perninha nas percussões. Já passava das 03.00 e milhares de pessoas continuavam a cantar e a dançar ao som de canções irresistíveis como a que fechou a festa, Timoneiro, de Paulinho da Viola, com a multidão a cantar "Não sou eu quem me navega/Quem me navega é o mar".
O terceiro e último dia do festival teve como pontos fortes Rodrigo Amarante e Manel Cruz, dois cantores que largaram as bandas que integravam e seguiram a solo. Antes, o Largo de São Gonçalo recebeu a Chuva de Poesia, um momento lúdico no qual são atirados do alto de um edifício centenas de papelinhos coloridos com poemas de mulheres. A ideia surgiu em Ouro Preto pela mão do artista plástico e poeta Guilherme Mansur, como reação ao Carnaval, e mais tarde foi integrado no MIMO brasileiro.