Festival IndieLisboa não esquece Abril

Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, e Os Cravos e a Rocha, de Luísa Sequeira, passam amanhã, mas ainda há muito para ver.
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Foi há sete anos que em pleno dia de Revolução dos Cravos, num Cinema São Jorge ainda sem o som renovado, que Águas Mil, de Ivo M. Ferreira, era apresentado em estreia nacional, um filme sobre a geração que cresceu após o 25 de Abril. Agora, o realizador não tem uma obra que toque diretamente os cravos mas Cartas da Guerra, a partir do escritor António Lobo Antunes e da sua experiência na Guerra Colonial, é óbvio que vai lá parar. Faz sentido, todo o sentido mesmo, ser exibido no dia 25 abril.

Amanhã, às 21.30, agora no Grande Auditório da Culturgest, e com a presença de Ivo M. Ferreira e de Margarida Vila-Nova, a protagonista feminina, Cartas da Guerra é então finalmente revelado em Portugal (a sua estreia comercial deve acontecer em setembro) naquela que é uma das sessões mais procuradas desta edição. As palavras de Lobo Antunes no preto e branco espantoso da fotografia de João Ribeiro levam-nos para um estado de espírito de um imaginário próprio de África. Aliás, é um objeto para se ver, ouvir e ficarmos lá dentro. Toca o belo e tem um Miguel Nunes a fazer de jovem António com uma serenidade desarmante. No Festival de Berlim dividiu opiniões, mas o bom gosto de Ivo M. Ferreira supera um eventual vendaval de narração. Tal como em A Escama do Dragão, parece que a sua câmara ganhou aquele estado de graça e elegância à Wong Kar--wai. E não menos importante, a tal beleza do preto e branco não nos impede de experimentar o horror daquela guerra tão absurda.

O espírito de Abril é reforçado com outra curta-metragem de estreia, a da ex-apresentadora do magazine de cinema nacional Fotogramas, da RTP, Luísa Sequeira. Chama-se Os Cravos e a Rocha e é um pequeno documentário não subsidiado que investiga a participação de Glauber Rocha no filme coletivo As Armas e o Povo. Sequeira entrevista cúmplices portugueses de Rocha e o cineasta brasileiro Joel Pizzini, numa teia de afetos que dirá muito aos fãs do realizador Glauber. Tal como o filme Boi Neon, mais outro título que em Portugal já tinha sido exibido pelo Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira. Os Cravos e a Rocha antecede A Ilha dos Ausentes, de José Vieira, no São Jorge às 21.45, amanhã. Se esse é um filme de uma fã, o que dizer de O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, de João Botelho? Uma verdadeira tese da genialidade de Oliveira feita por um Botelho que viaja pela filmografia do mestre com devoção e algumas histórias pessoalíssimas. Depois, a acabar, tem uma curta intitulada A Rapariga das Luvas, uma história que Oliveira poderia ter filmado num dos seus interregnos.

Um filme mudo tocado por Deus e que incorpora a ética de cinema de Oliveira. Não é ousadia de Botelho, é um ato de agradecimento. O espectador é quem ainda ficará mais grato. O filme passa já hoje na Culturgest às 18.00 e repete depois no dia 28. Verdadeiro acontecimento.

No dia 1 de maio, no fecho do festival, outro acontecimento: L"Avenir, de Mia Hansen-Love, prémio de realização da Berlinale 2016. Uma história sobre uma professora de Filosofia que se reinventa depois de ser abandonada pelo marido. É uma reinvenção apaziguada e maturada com uma interpretação de Isabelle Huppert diferente de tudo o que já fez. Nunca as suas lágrimas tiveram este calor... Terminará bem um festival com a realizadora que em 2015 esteve cá como Heroína Indie.

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