Festival Bons Sons: da jovem Surma aos veteranos Mão Morta
Fixem este nome: Surma. Os Surma são uma tribo da Etiópia. Débora Umbelino, de Leiria, descobriu-os num programa de televisão e ficou com o nome às voltas na cabeça até que decidiu adotá-lo como seu nome artístico. Isto aconteceu em 2015. Débora, que se lembra de gostar de música desde bebé, foi experimentando diferentes instrumentos e géneros musicais, chegou a ter uma banda de covers e estudou contrabaixo no Hot Club, até se transformar em Surma. Neste momento tem 22 anos e está a terminar a gravação do seu primeiro disco, que irá sair no final de outubro, pela Omnichord Rechords. "Sou eu que toco e faço tudo sozinha", conta.
Um dos primeiros concertos que deu como Surma, há dois anos foi em Cem Soldos, no festival Por Estas Bandas: "Só tinha três músicas e estava um bocadinho nervosa. Mas foi espetacular." Vai voltar a Cem Soldos mas agora para o festival Bons Sons. O concerto será no palco Giacometti, hoje, ao final da tarde. Como vai ser? "Quero levar as pessoas a flutuar, que apaguem tudo o que têm na cabeça e entrem na viagem, na atmosfera que eu vou criar."
[youtube:wlTbkMFWu78]
Fixem este nome: Surma. Quem o diz é Luís Ferreira, o diretor do festival. É com enorme orgulho que a apresenta nesta edição do Bons Sons. "Este é um festival para quem gosta de música e onde é possível descobrir novos artistas", diz, garantindo que nesta 11ª edição continua a apostar numa programação alternativa aos outros festivais. "Procuramos sempre músicos portugueses que são de alguma forma inovadores."
Mesmo os consagrados que aqui vêm - nomes como Mão Morta, Rodrigo Leão ou Né Ladeiras - não são os óbvios cabeças de cartaz. "Nos seus meios são reconhecidíssimos mas basta dar um passo ao lado e há muita gente que não os conhece. Muita gente ouviu falar dos Mão Morta mas nunca se atreveu a ir ver um concerto deles", diz Luís Ferreira. Até José Cid não vem com os seus habituais êxitos mas apresenta o espetáculo dos 40 anos do disco 10 000 anos depois entre Vénus e Marte.
No cartaz há ainda lugar para repetentes, como Capitão Fausto e Samuel Úria: "Quando cá estiveram eram ainda projetos novos, apresentaram-se à tarde, e agora já são grandes." Os outros nomes maiores, como Frankie Chaves e os Orelha Negra, Virgem Suta, Señoritas ou Paulo Bragança, convivem os projetos de música tradicional portuguesa e com artistas novos e que ainda não são tão conhecidos. Para além de Surma, e também da cena musical de Leiria, é preciso referir os Whales. E, já agora, fixem também este nome: Joana Barra Vaz, que lançou no ano passado o seu disco de estreia, Mergulho em Loba. "É a banda sonora perfeita para o verão", diz o programador.
Uma aldeia que resiste
Com um orçamento na casa dos 400 mil euros, o festival organizado desde 2006 pelo Sport Club Operário de Cem Soldos, mantém o conceito original de envolvimento de toda a comunidade na preparação da aldeia para receber os cerca de 35 mil festivaleiros esperados. "Estamos entre os 15 festivais mais populosos do país e somos o único que não é apoiado por nenhuma marca ou que não somos de uma câmara e isso já diz muito da nossa lata - estamos a jogar na primeira liga mas com um plantel de amadores", comenta o programador. "Quando me perguntam qual é a novidade este ano, respondo que a novidade é nós mantermos o core dos Bons Sons. Felizmente temos conseguido manter o público que gosta de música e o conceito da comunidade e de viver aldeia."
Até segunda-feira, Cem Soldos fica fechada e praticamente todas as pessoas que ali vivem estão envolvidas no projeto. As cerca de 400 pessoas que trabalham no Bons Sons não recebem honorários, ganham em satisfação por contribuir para a sobrevivência da aldeia. Pequenas alegrias, como por exemplo o facto de no próximo ano letivo ir abrir mais uma turma na escola: "Há quatro anos esta escola estava na iminência de fechar e agora temos mais crianças, porque há cemsoldenses a voltar e há outras pessoas que querem que os seus filhos cresçam neste ambiente, e temos um ensino um pouco diferente, com uma ligação grande à natureza", conta Luís Ferreira. "É isto que faz com que todo este trabalho faça sentido." A música está ligada ao projeto social e à questão ecológica. Na sua opinião, este festival "é um laboratório vivo de como se pode trabalhar a cultura e de como a cultura pode ser um gancho para o desenvolvimento, como trabalhar em comunidade e crescer e ter qualidade de vida num espaço rural."