Fernando Rosas revisita mitos do colonialismo
Partindo de um conjunto de temas suficientemente representativos daquilo que queria discutir ao longo dos 13 episódios de História a História África, o historiador Fernando Rosas idealizou este novo programa, para o qual foi desafiado pela direção da RTP África, depois da experiência com o História a História, que em 2015, na RTP2, desvendou episódios de locais emblemáticos de Portugal.
"Há quatro programas de carácter geral sobre outras tantas temáticas: a chamada ocupação efetiva, a partir do final do século XIX; os casos políticos do império (nomeadamente a atividade da polícia política durante o Estado Novo nas colónias); as casas de estudantes do Império, que tem a particularidade de ser um ninho intelectual do independentismo no coração do Império, em Lisboa e em Coimbra; e o retorno, episódio que vai fechar esta série." A juntar a estes quatro programas, haverá três dedicados a Angola, outros tantos a Moçambique, ficando os outros três por conta da Guiné, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe. Assim, refere, "abarcámos todos os territórios e distribuímos as problemáticas da série pelos vários países".
O programa começou agora a ser emitido (aos domingos, às 21.00, na RTP2), mas a sua preparação iniciou-se em 2015. "Era preciso fazer uma investigação muito rápida, muito intensa, foram dois anos de trabalho a cavalo, era preciso ler muita bibliografia, consultar vários arquivos", recorda. "E houve também uma grande pesquisa de imagens audiovisuais. A série tem excelentes fotografias, algumas delas totalmente inéditas, nomeadamente sobre as operações militares do final do século XIX e do início do século XX, sobre o trabalho forçado, no algodão, nas minas", sublinha.
Como resume Fernando Rosas, a série é sobre "o moderno colonialismo português, aquilo a que se chama o ciclo africano do Império ou o último ciclo imperial, que começa, na prática, após a Conferência de Berlim, dos anos 80 do século XIX, a corrida a África e a ocupação efetiva militar e administrativa a que eufemisticamente se chamaram as campanhas de pacificação". "A presença colonial portuguesa foi objeto de uma enorme resistência tribal, das populações autóctones, e por isso é que foi violenta", sublinha, para de seguida explicar: "Por isso é que um dos mitos que questionamos nesta série é precisamente essa pax imperial portuguesa do ciclo africano do império, tido como um longo período de paz só atribulado pelas guerras subversivas do fim, dos anos 60. Não é nada disso. Considerando um século de ciclo africano do Império, pelo menos metade, 50 a 60 anos foram anos de guerra."
Mas há mais mitos. "Em vários episódios, também questionamos o mito luso tropicalista de que o colonialismo português é diferente dos outros, é mais bondoso, mais temperado, mais cristão - que, aliás, é um mito que todos os colonialismos têm, seja o francês, inglês ou holandês, todos se consideravam a si próprios especiais e todos tinham um discurso de encobrimento daquilo que era a violência quotidiana da própria relação colonial."
Por fim, diz, "revisitámos ainda o mito dos brandos costumes portugueses". E nesse âmbito "analisamos o caso da polícia política no combate ao independentismo que é uma coisa de uma brutalidade sem nome, mesmo um rasto de crimes que ficaram impunes. Porque a atuação da polícia política nas colónias ficou sem julgamento, sem justiça, e traduziu-se em milhares de pessoas mortas e torturadas".
Nem só de mitos se faz este História a História África. "Também discutimos o desenvolvimento económico nas colónias. Fomos tentar revisitar o balanço económico e social de obras como a barragem de Cahora Bassa, o Plano de Rega do Limpopo, em Moçambique, a companhia Diamang, ou então a obra do mais mítico dos governadores coloniais, o general Norton de Matos, durante a I República."
A série termina com um episódio dedicado ao retorno, "com aqueles que se viram forçados a regressar". "É um caso muito relevante, mas nem sempre devidamente salientado, de sucesso da jovem democracia portuguesa relativamente a 600, 700 mil pessoas que num curto espaço de tempo de dois anos de repente desembarcaram aqui e num período de tempo relativamente rápido, não chegou a uma década, conseguiu ter uma integração bem-sucedida. É um caso do qual se deveriam tirar lições para o atual problema dos refugiados. Ou seja, como uma política ousada de integração pode contribuir para o crescimento demográfico, do PIB e do emprego."
Reconhecendo a televisão como uma ferramenta "insubstituível" para a divulgação da história - "chega a casa das pessoas todos os dias" -, Fernando Rosas confessa que já começou a pensar numa nova série de programas. "Gostaria de trabalhar numa história que coloque Portugal no mundo e o relacione com a história internacional."
Veja o trailer do episódio deste domingo aqui
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