Fernando Gomes: "Contrato com a PT permite gerir FC Porto de outra maneira"

Almoço com Fernando Gomes
Publicado a
Atualizado a

O momento é de números e de contratos para os grandes clubes portugueses. Por isso, quando nos encontrámos no Líder, restaurante quase histórico da zona das Antas, bem perto do Dragão, Fernando Gomes, administrador da SAD portista, antigo presidente da câmara e ministro de um governo de António Guterres, ainda estava sob os efeitos desse acordo dos 457,5 milhões de euros com a Altice/PT/Meo.

"É um grande acordo que permite sobretudo que o FC Porto, enquanto empresa, possa ser gerido de forma menos contingente. Até agora, os encargos operacionais eram sempre superiores aos proveitos operacionais, sem contar com as mais-valias das transações de passes de jogadores. A partir de agora podemos vir a deixar de ter de tomar decisões sob pressão. Permite gerir o clube de outra forma, mais objetiva económica e financeiramente e sem estar tão dependente dos ganhos ocasionais em janeiro e no final da época. É essa a grande vantagem", diz o homem que trata das finanças da SAD e do clube. "De resto, a ideia é que este dinheiro não vá para reforços, porque para isso o FC Porto gera recursos suficientes. Iremos baixar custos, pagar dívida e ter uma gestão mais sã." Quando lhe manifesto a surpresa pelo corte com Joaquim Oliveira, diz que o negócio era com a NOS, a que se deram imensos sinais de que a sua proposta era insuficiente. "Sempre pensaram que se tratava de uma manobra para valorizar os ganhos do clube, esquecendo de que a palavra do presidente do FC Porto está acima destas querelas. A administração optou, objetivamente, pela proposta mais vantajosa. Sendo verdadeira a cláusula que se diz existir, que obriga a que a NOS só possa pagar ao FCP 20% menos do que já tinha acordado com outro clube com quem já tinha assinado, o que para nós é inaceitável, é provável que isto os tenha condicionado. "Estou certo de que as boas relações que o clube tem com o Sr. Joaquim Oliveira, um amigo, se vão manter. Há mais vida para além deste negócio." E, claro, o "outro clube" é o Benfica.

Não é segredo que o FC Porto teve na época passada o orçamento mais alto de sempre no futebol (110 milhões de encargos operacionais excluindo passes de jogadores) e mesmo assim não conseguiu nenhum título. São as contingências do desporto. E por isso diz que a administração entende ser de encarar uma nova estratégia que permita baixar os custos fixos do plantel, que se tornaram muito elevados nos últimos anos.

Vantagens da motivação

Depois de um presunto ótimo e de convergirmos para um arroz de robalo - que viria a revelar-se excelente -, optámos por um Quinta de Bons Ares, branco, sempre um excelente vinho do Douro da Ramos Pinto. E a conversa flui à volta ainda do clube e da SAD - Fernando Gomes, 69 anos, nascido em Vila do Conde, é administrador desde março de 2014, quando substituiu Angelino Ferreira. Mas já era vice-presidente do clube e há muito que tinha uma relação próxima com Pinto da Costa.

Fernando Gomes vinha da Galp, onde foi administrador da área internacional, e às tantas faz uma comparação curiosa. Desde logo, na área das finanças e dos recursos humanos acha que a sua equipa "é na generalidade tecnicamente muito boa, muito preparada, podia estar na Galp ou noutra grande empresa". Mas há diferenças visíveis: "As grandes empresas gastam fortunas a motivar os seus colaboradores, em reuniões de quadros, em reuniões com líderes para lhes passarem valores fortes e lhes incutirem espírito de corpo. Aqui não é preciso. As pessoas mobilizam-se facilmente, motivam-se com o sucesso das equipas - nomeadamente do futebol, porque é dele que depende a saúde do resto.

E as pessoas estão sempre disponíveis para mais alguma coisa, estão sempre motivadas." E surpreende-me ao dizer que não se pergunta o clube aos colaboradores que entram. "Já admiti vários e nunca perguntei. Naturalmente as pessoas são levadas a irmanar-se nos objetivos da equipa. É muito gratificante mesmo."

Elogia Lopetegui, como "muito trabalhador e muito focado". E nega que as relações com a Doyen ou com alguns empresários tolha a política do FC Porto. "A minha experiência é que a Doyen ou os empresários na área do futebol são muito parecidos - são úteis e necessários mas não se pode estar na sua dependência. Não estamos presos a ninguém. Fruto da política traçada, dos resultados e de a área do futebol ter sabido criar uma rede de scouting em todo o mundo, sabemos o que queremos e não queremos. E mercê da experiência e da competência - porque fruto de trabalho de muitos anos - temos tido grande sucesso a comprar e a vender ativos (jogadores). Neste ano conseguimos 82 milhões de mais-valias num total de 119 milhões em vendas de passes de jogadores. É um resultado único quando comparado com o valor do orçamento anual do clube" diz, orgulhoso, sublinhando também que se trata de algo só possível pelo trabalho de uma vasta equipa e que Alex Sandro, cujo passe foi vendido à Juventus por 26 milhões depois já do fecho das contas, ainda não entra aí. Foi também por isso tudo que foi possível apresentar quase 20 milhões positivos de resultados líquidos, num ano em que os capitais próprios da SAD passaram de negativos a positivos por causa de um aumento de capital e de uma operação económica e de reavaliação de ativos que passou 47% da EuroAntas para dentro da SAD. A EuroAntas é a sociedade que detém o Estádio do Dragão, que deverá acabar de ser pago em 2018. "Está controlado, o FC Porto foi o único dos clubes que não precisou nunca de renegociar a engenharia financeira do seu novo estádio."

Queixas é mais do lado da banca, já que aquela que foi intervencionada cortou o crédito aos clubes, por imposição da troika.

"E nós tivemos a capacidade de procurar novos financiadores na Inglaterra e na Alemanha. Os nossos maiores financiadores hoje são estrangeiros. Fazem as mesmas exigências e o dinheiro é mais barato. É neste ponto que estamos."

A amizade com Sócrates

É também nesse ponto que está o país, até porque banca em mãos portuguesas já não há assim muita. Entre os vários chapéus que já usou na vida este economista está o de político - foi secretário de Estado da Habitação do governo do bloco central, entre 1983 e 1985, foi ministro adjunto e da Administração Interna em 1999, no segundo governo Guterres, durante um ano. Já tinha liderado a Câmara de Vila do Conde (1974-81) e a do Porto (1989-99). E recorda-me que continua a pertencer à Comissão Nacional do PS, o principal órgão entre congressos, e acompanha de muito perto a política. Entende que António Costa arrancou mal - "A campanha não foi brilhante, com o caso dos cartazes, o segundo debate com Passos Coelho e a questão da adiada visita a Sócrates à prisão de Évora no Natal", o que poderá ter contribuído para alguma punição nas urnas. "Sou amigo de Sócrates, claro que a justiça dirá o que disser, mas aconteça o que acontecer não deixarei de ser amigo dele." E foi neste mesmo restaurante que há poucas semanas o antigo primeiro-ministro almoçou com ele e Pinto da Costa.

Mas, tirando isso, acha que "ter sido possível formar este governo é a diferença entre um PS dez anos a apodrecer na oposição, como iria estar, ou um PS alternativa séria de poder. Mais ainda: claro que assim Costa reafirmou a sua liderança. Mas se aceitasse, como alguns vaticinaram, nada fazer e ser oposição, então teríamos depois das presidenciais uma nova corrida à liderança do PS com fraturas e divisões internas e claro reforço da coligação no governo, arriscando-nos a ter uma longa travessia do deserto como aconteceu com Cavaco primeiro-ministro". E, se acha que este governo durar quatro anos será muito difícil, defende as novas políticas: "A dose absolutamente cavalar de medidas de austeridade impostas pelo anterior governo é claro que teve algum efeito. Hoje, mercê de um conjunto de fatores que se conjugam, desde a baixa dos preços do petróleo aos juros baixos e com o défice sob controlo, há uma folgazinha que pode e deve aproveitar-se. António Costa promoveu um programa económico de algum risco mas que a curto prazo tem boas hipóteses de dar certo, o que espero e desejo. Já a longo prazo penso que tem menos hipóteses, sendo preciso encontrar novos caminhos. Melhorar a condição de vida dos menos favorecidos é socialmente justo e economicamente correto nas circunstâncias atuais. Aumentar o poder de compra de pessoas com uma enorme propensão ao consumo vai agravar a despesa. Mas vai gerar também mais receita por recair sobre quem menos pode furtar-se ao pagamento de impostos e por a máquina fiscal estar hoje muito mais eficiente."

A sobremesa foi fruta para ambos, que a época já é doce por si, e é já ao café que lhe falo nos seus dotes de diplomacia: Rui Moreira, o novo presidente da câmara, e Pinto da Costa andavam desavindos pelo facto de Moreira se ter colocado como herdeiro de Rui Rio nas eleições autárquicas. "Foi num pequeno-almoço na Casa do Roseiral [edifício de receções da câmara no perímetro do Palácio de Cristal], em que participei e a propósito da Piscina de Campanhã, que se deu a reaproximação. Este equipamento, totalmente degradado, era um problema para a câmara e o FC Porto precisava dele para continuar a fazer campeões. O FCP assumiu a recuperação e gere-o agora. Foi um projeto exemplar de cooperação e está excelente, cheio de movimento e captando cada vez mais jovens. A partir daí as coisas tornaram-se mais fáceis e hoje há uma relação normal. De resto, só o Dr. Rui Rio é que achava normal a câmara não se dar bem com uma das instituições mais marcantes e de referência da cidade." Ainda tem tempo para me dizer que Rui Moreira tem feito um mandato "como se esperava", com uma baixa marcante na cultura com o falecimento de Paulo Cunha e Silva, mas dando resposta ao que a cidade precisa.

Restaurante Líder

- Couvert 4,00

- Presunto ibérico 10,00

- Arroz de robalo 39,50

- Laranja 3,50

- Ananás natural 5,00

- Quinta dos Bons Ares 19,00

- Água do Luso 4,00

- Café 2,00

- Lambreta 1,00

Total: 88,00 euro

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt