Férias, 'vacances','holidays', 'Urlaub'
Férias, vacances, holidays, Urlaub - é tudo férias: em português, francês, inglês e alemão, respectivamente.
É muito interessante verificar que, apesar de tanta variedade, as diferentes palavras, até etimologicamente, têm a ver com liberdade, dias festivos de descanso, dias sagrados e santos.
Férias - em alemão, Ferien - vem do latim feriae, significando dias libertos de negócios e trabalhos, dias festivos, dias de descanso. O termo vacances - em espanhol vacaciones - tem a sua origem no verbo latino vacare: estar em descanso, ter tempo e vagar para - o substantivo vacatio tem o significado de isenção, graça e dispensa de serviço. Os ingleses em férias estão on holidays, portanto, em dias santos. Urlaub tem na sua raiz erlauben e Erlaubnis, com o significado primeiro de permissão de sair, dada pelo senhor ou pela dama ao cavaleiro; actualmente, quer dizer dias livres, sem serviço e sem trabalho, para o descanso.
Ninguém sabe o que é que Deus fez, quando, no livro do Génesis, se diz que, depois dos seis dias da criação, descansou. No Evangelho segundo São João, lê-se que Deus trabalha sempre. É claro que Deus nem descansa nem trabalha. De qualquer modo, está sempre presente a tudo, numa presença radical, pois é Força criadora de ser, de tal modo que, se se retirasse, tudo regressaria ao nada. Mas o que a Bíblia realmente quer com aquela expressão "Deus descansou" é justificar o Sábado, dia consagrado ao Senhor e à liberdade. O Homem tem de trabalhar, mas não é nem pode ser besta de carga.
Na Babilónia, escreveu-se uma outra História da Criação. Mas há uma diferença fundamental, quando se compara com o relato bíblico. Em Enuma Elish, os homens são criados para servirem os deuses. Na Bíblia, Deus cria os homens por causa deles mesmos e da sua felicidade. É, pois, digno de um Deus da liberdade e do amor ter-se lembrado de um dia feriado por semana para que os homens e as mulheres se alegrem e exultem com a liberdade.
Sobretudo no Inverno, muito de manhã - ainda é escuro, faz frio e por vezes chove e há vento -, dói-me ver aquelas multidões, saindo e entrando em comboios e autocarros - mais impressionantes são as baforadas de gente despejadas do Metro nas grandes cidades -, a correr, deixando um filho aqui e outro ali, para chegar ao trabalho, àquele trabalho que é mesmo isso: "trabalho", com étimo latino tripalium, instrumento de tortura, feito com três paus (tripalus), que deu tripaliare, trabalhar. E à noite, depois de um trabalho que foi uma tortura, repetem a mesma corrida, voltando a casa. As mesmas filas de trânsito, os mesmos comboios e autocarros entulhados e as baforadas de gente do e para o metro, os filhos já a dormir. No dia seguinte, outra vez. E, no outro, a mesma coisa. No outro, também. Sempre.
Quantas pessoas trabalham, para sobreviver, naquilo de que não gostam e são mal pagas?
Agostinho da Silva dizia que "o Homem não nasce para trabalhar, mas para criar". Ele não tinha completamente razão, porque o Homem também trabalha para realizar-se como Homem: é indo ao mundo que vimos a nós, é transformando o mundo que nos humanizamos.
Mas há sempre aquele perigo de, pela alienação, não sermos nós. E a existência não se esgota no trabalho produtivo.
Então, aí estão os feriados e as férias, que não existem como intervalos no trabalho para recuperar forças e voltar a trabalhar. Valem por si e têm a sua finalidade em si mesmos. Porque o Homem é constitutivamente um ser festivo. Existem para que o Homem frua, sem narcisismo, o milagre de existir - e é mesmo um milagre existir, estar cá, pois mais beijo menos beijo e fomos nós e não outro, e estamos cá pela primeira e última vez e nunca houve nem haverá alguém como nós.
É preciso ter tempo para si e o seu milagre. É preciso ter tempo para a música que nos diz o indizível e nos coloca lá onde é bom existir. Tempo para os amigos e conversas iluminantes e recreadoras. Tempo para viajar. Tempo para as alegrias simples: contemplar uma simples folha de erva. E para ler poesia. Ah, e quando se vai a um museu e vivemos outro mundo e nos extasiamos - quando chegamos à rua, lá está outra vez o profano vulgar!
É isso: ter um pouco mais de tempo para o Sagrado. Festa tem na sua raiz a palavra latina festus, com o sentido de "dias determinados para as actividades religiosas". As férias e as festas são para isso: criar, exultar e experienciar "o fascinante esplendor do inútil", na expressão de George Steiner.
Infelizmente, mais de metade da população portuguesa não fará férias.