O humorista Luís Franco-Bastos anda em tournée pelo país a apresentar Diogo, um espetáculo sobre o próprio, a sua família e alguns temas mais sensíveis - como a morte dos seus pais. Franco-Bastos, ou Diogo, já não é o rapaz que sabe muito bem imitar vozes de figuras públicas, 15 anos depois é um humorista que consegue esgotar o Coliseu de Lisboa - aconteceu ontem e ali vai regressar em finais de março - com um público de várias gerações. Foi nesse mesmo local que conversou sobre o seu humor. Com humor..Quantas vezes por dia ainda lhe pedem para imitar as vozes do Cristiano Ronaldo ou do Alberto João Jardim?.Muito poucas, felizmente. As abordagens na rua são um bom barómetro para a perceção do feedback genuíno de quem segue o nosso trabalho. E a dada altura comecei a notar que cada vez menos falavam sobre as vozes que imitava, mas sim dos meus outros projetos..Mas foi uma transição feita com intenção?.Sim, houve um conjunto de circunstâncias que levaram a isso, mas principalmente foi fazer aquilo que me entusiasma. Não é capricho, atenção. Acredito que devemos procurar fazer o que gostamos. E fui ganhando mais vontade de fazer outras coisas que não fossem as imitações. Aliás, já acontecia antes, mas, como foram as imitações que me ajudaram a destacar, fiquei associado a isso. Os meus espetáculos de stand-up sempre tiveram muitas coisas que não eram imitações..Já são 15 anos a fazer humor. Sempre teve vontade de ser humorista?.Ter, tinha. Lembro-me que em criança - tenho uma memória assustadora [riso] - via os programas do Herman José religiosamente. Havia aquela aura, que hoje é muito difícil de reproduzir, em que o país parava para ver o Herman. Lembro-me de ficar fascinado com o que ele fazia e com o poder e o impacto do riso. E recordo-me de perguntar à minha mãe qual era o curso que tinha de tirar para fazer o que fazia o Herman... deu-me uma resposta realista, e disse que não havia curso e que tinha de ter jeito e a sorte de ser descoberto. Com essa sensatez do ponto de vista profissional na minha cabeça, percebi que tinha poucas probabilidades, mas mantive essa ideia em standby e comecei a automatizar a ideia que iria ter uma profissão tradicional. E como achava que a coisa mais próxima era ser profissional de comunicação, comecei a pensar em ser pivô de telejornal ou jornalista desportivo, e fui para o curso de Ciências da Comunicação. Mais tarde fui fazer um workshop de humor com as Produções Fictícias e foi aí que me direcionei. Desde cedo achava que tinha a comédia dentro de mim, imitava os sketches do Herman na escola, fiz de Diácono Remédios numa peça nos Salesianos. A comédia já estava presente, mas depois, com esse workshop, percebi que o sonho era realista e tive a tal sorte de ser descoberto..Citaçãocitacao"Quem acompanha e gosta do meu trabalho não sabe muito sobre mim. Achei que estava na altura de falar das coisas mais pessoais e íntimas possíveis, nomeadamente as situações mais trágicas por que já passei.".Foi aí que também começou a escrever para humor?.Sim, ao mesmo tempo que estudava jornalismo. A parte da escrita foi sempre muito importante e percebi que era onde tinha mais competência. No início, e por causa das imitações, repararam menos nesse meu trabalho de criativo. Mas também fiz projetos em que os textos não eram meus. Trabalhei com outros argumentistas, como, por exemplo, a Joana Marques, que finalmente está a ter o reconhecimento que merece..Há algum assunto preferido para os espetáculos? São temas da atualidade, são fases da vida?.Passa muito por fases. Atualmente tenho zero vontade de falar sobre figuras públicas, mas durante anos fiz muito isso. Mas não tenho temas preferidos ou que odeie. Pode haver um ângulo hilariante para um tema que nunca na vida pensei falar mas pode existir também algum tema que adoro mas não consigo encontrar algo que tenha graça. Aliás, estes novos espetáculos nasceram daí. São temas sobre os quais queria falar há anos, nomeadamente os mais pesados, mas que até então não tinha encontrado ângulos que funcionassem do ponto de vista cómico. Acima de tudo, o humorista tem de se preocupar em fazer as pessoas rir..E falando de Diogo, o novo espetáculo que anda, e vai andar, pelo país [hoje em Águeda, em janeiro, Lagos e Porto], do que se trata?.Passei muitos anos a falar de assuntos da atualidade, de figuras públicas, de estereótipos, de personagens. E percebi que falo pouco ou nada sobre mim. Mesmo quem acompanha e gosta do meu trabalho não sabe muito sobre mim. Achei que estava na altura de falar das coisas mais pessoais e íntimas possíveis. Já o queria fazer há algum tempo, nomeadamente as situações mais trágicas por que já passei. Nos testes que fiz nos últimos dois anos e meio comecei a perceber que podia falar uma hora sobre mim e a minha família. Há uma máxima que gosto de usar e que se aplica muito bem aos humoristas: se alguém gozar connosco, que sejamos nós, e não alguém que o possa fazer melhor do que nós..Que temas difíceis são esses?.Não são temas difíceis para mim, difícil era fazer as pessoas rirem-se deles. Assuntos como a morte dos meus pais, por exemplo. Faço piadas sobre isso desde o dia em que aconteceu. Mas como é que consigo fazer com que mil pessoas numa sala riam sobre o assunto sem criar desconforto? Foi difícil encontrar os ângulos certos..Mas é "normal" para alguns humoristas usar temas mais desconfortáveis nos seus espetáculos, se calhar não tão pessoais. Ainda assim, há temas tabu? .Não! Há, sim, temas, como o meu próprio exemplo, que por serem mais complexos e mais delicados é mais difícil serem engraçados a falar sobre eles. Numa lógica do imediatismo do entretenimento, às vezes não há tempo para que uma piada saia cá para fora antes de ser bem trabalhada. E por vezes há piadas que causam mais chatices do que trazem retorno ao humorista. Mas isso faz parte da nossa profissão, em todas as profissões há erros. Às vezes até um chef pode enganar-se no ponto de um bife, mas não vai fechar o restaurante por isso. Contudo, com os humoristas há logo a ideia de que devem ser cancelados. A nossa profissão, como todas as outras, vive de tentativa e erro, e nem todas as nossas piadas são tão geniais como deveriam ser..Há uma fórmula para fazer humor?.A existir, é trabalhar obsessivamente, e mesmo assim não garante nada. Mas se trabalharmos imenso conseguimos chegar perto. Mas lá está, a dificuldade de saber o que faz rir A e não faz rir B... Mas, como em todas as formas de arte, se o fazes a pensar no que os outros vão achar sem te preocupares com o que tu achas, estás mais condenado ao fracasso do que ao sucesso..Para além de Herman José, quais são as outras referências atuais?.O Bruno [Nogueira] e o Ricardo [Araújo Pereira], claramente. Aliás, o meu desejo concreto de fazer stand-up nasce ao ver o Bruno no programa Levanta-te e Ri. E só depois disso fui à procura de humoristas internacionais. Mas não posso deixar de dizer que a geração mais nova é uma referência para mim. É essencial ver o que fazem os que chegaram depois de ti. Por exemplo, o Pedro Teixeira da Mota e o Carlos Coutinho Vilhena exemplificam o que de mais criativo e fresco se faz de humor em Portugal, e se não estivesse atento a isso seria um perfeito idiota. A nível internacional, as minhas referências são o Dave Chapelle e o Louis C. K., são os dois melhores de sempre..Nunca aconteceu ouvir uma piada e pensar que "podia ter sido eu a fazer isto". .Que podia ter feito não necessariamente, mas que podia ter sido eu a lembrar-me dessa piada acontece muitas vezes quando vejo os espetáculos com o Dave Chapelle e o Louis C.K..E sobre a cultura de cancelamento. Como lida com isso?.Felizmente, a cultura de cancelamento em Portugal não tem a mesma expressão de outros países. Também nunca tivemos escândalos em que o humorista A ou B violou alguém. Aí deve ser cancelado... e preso! Estou a falar em ser cancelado por uma piada que as pessoas não gostaram. Em Portugal não existe isso. Acontece é aquilo que deve acontecer: as pessoas não gostarem e não irem ver os teus espetáculos. Essa é a forma de justiça que deve ser empregue. Nos Estados Unidos é diferente, de repente desenterram um tweet com uma piada de há 15 anos e que felizmente já não faz sentido, porque as mentalidades evoluíram e até porque toda a gente fazia esse tipo de piadas até no seu dia a dia. É completamente injusto e não faz sentido..E porquê o nome Diogo para o espetáculo?.Sou Luís Diogo, o meu pai era Luís e o meu irmão é Luís Miguel. E então para a família sempre fui o Diogo e o meu irmão é o Miguel. Decidi dar o nome que tenho mas que ninguém sabe que tenho, a não ser a família. Isto num espetáculo onde vou falar sobre a minha educação, as minhas maiores perdas pessoais, até mesmo problemas de saúde que tive e ninguém sabe. Decidi ir a esses temas da forma mais engraçada que consegui, por isso o espetáculo tem o meu nome que ninguém sabe que tenho..Dos espetáculos que já apresentou pelo país, como tem sido a reação do público?.Tem sido muito boa. Tenho confirmado que as pessoas gostam de ficar a saber da tua vida de forma engraçada. Ao fim de uma hora de espetáculo já superaram o desconforto de falar sobre a morte ou a doença e já vão contigo até ao fim do mundo com esses temas..Para além dos espetáculos, há novos projetos?.Continuar com o Hotel, o meu podcast de ficção, que no fundo é uma sitcom. Terminei agora a 5.ª temporada e chegámos ao episódio 73. Há de voltar em breve. Como já não estou na rádio, tenho outra disponibilidade para apostar futuramente no podcast. Quero fazer isso porque acredito que o caminho independente é o futuro do humor. A liberdade editorial é sempre maior quando és 100% independente e a internet dá-te um terreno muito aliciante..Os portugueses têm sentido de humor? .Sim, não tenho razões de queixa. Tem a ver com o facto de sermos um país relaxado, tranquilo. E também os "Velhos do Restelo" que acham que determinados temas são proibidos estão a tornar-se uma coisa residual. Estamos a renovar muito a nossa população nesse aspeto..filipe.gil@dn.pt