Feliz Natal!
Há muitos anos atrás conheci um casal peculiar. Perto dos 60 anos, sem filhos, filhos únicos tardios de filhos únicos. Pergunto-me ainda hoje que acaso teria aproximado aquelas duas almas, com contexto familiar idêntico, e como seria viver assim, mais ainda me estranhando quando, como é o meu caso, tenho relações familiares muito fortes e a família é o meu porto seguro.
Ora este casal tinha um costume também peculiar, que nas vésperas de um Natal partilhou comigo. Carregada dos habituais presentes, naquela azáfama típica de famílias grandes com crianças pequenas, encontrei-os por acaso, nada sabendo daquelas circunstâncias e, naquele solidário e bem-disposto desabafo, lá comentei que, enfim, este era o momento do ano de grande rebuliço colectivo e todos estávamos assoberbados nas mesmas tarefas de pré-Natal, "sabem como é?" Supondo que a reacção seria conforme, fiquei desarmada quando me disseram que não, verdadeiramente não sabiam como era, e lá contaram das circunstâncias. E acrescentaram, que visto que o Natal é acima de tudo a festa da família, desde que os pais de ambos tinham desaparecido, passavam sempre esta quadra em países onde não fosse celebrado o Natal.
Confesso que foi duro digerir assim de supetão as duas informações, a primeira a do contexto familiar, a segunda a do costume para mim inédito. Mas quando penso neste último, parece-me que é um pretexto inventivo para viajar. Por isso, ganhei eu também curiosidade em saber como é que este casal fazia a seleção, onde já tinha ido, onde pretendia ir. Não queria ser invasiva, travei a curiosidade.
Fui averiguar como seria. Não é assim tão complicado, mas é preciso exaustiva preparação e disponibilidade para ir longe. Primeiro a questão da religião: se o Natal é uma festa cultural, a sua raiz - comemorar o nascimento de Cristo - é religiosa. Por isso o primeiro critério é procurar países de diferente matriz religiosa, ou onde a religião maioritária não seja o cristianismo. Não se pode ser totalmente "fundamentalista" na busca! Há países que, não comemorando o Natal como festa religiosa e de família, renderam-se ao lado comercial da época, e há que o aceitar (por exemplo Tunísia) ou que o passam de forma muito intimista, em família (exemplo Marrocos maioritariamente muçulmano) ou muito discreta. Já outros estão excluídos porque não seria possível de todo ir, além do que não apeteceria por muitos e bons motivos, entre eles porque proíbem quaisquer festejos de Natal (exemplo Coreia do Norte ou Somália). Mas há países islâmicos como a Indonésia, Turquia, Egito, Irão, as Maldivas, que apetece mesmo conhecer. E depois a Ásia e os países budistas, xintoístas ou taoistas, desde logo o Japão, mas também a laica China, Vietname, Tibete, Cambodja, Coreia do Sul, Butão, Mongólia, Singapura, Sri Lanka, Tailândia. E a Índia, de ligação profunda ao hinduísmo, é todo um mundo. Se Goa comemora o Natal, outros estados não o fazem.
Enfim, despidos de preconceitos, todo o pretexto é um bom pretexto para viajar. Realmente, o mundo é muito grande, diverso e belo, e os povos, as suas religiões e crenças, os seus costumes e tradições, dão identidade e autenticidade às nossas experiências de viagem, alimentam o interesse e vontade de melhor conhecer o Outro e aceitá-lo, tornam-nos mais tolerantes, em suma, enriquecem-nos como pessoas. E o Natal é "quando um homem quiser". E onde quiser, acrescentaria.
VP executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal