Feliz Ano Novo!

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Eu acho isto, eu acho aquilo. No país do "achismo" todos achamos qualquer coisa, ainda que muito pouca, pelo menos para a maioria, mas já lá vou. Eu, por exemplo, sou dos que acham que os anos deveriam começar no primeiro dia de setembro e não como agora, em janeiro, essa convenção gregoriana que levou mais de três séculos para realizar e que ainda hoje absolve governos do seu maior pecado, o de procrastinar na execução dos seus programas.

O ano deveria começar em setembro, o mês que para muitos marca o regresso às suas ocupações habituais. O pessoal, na sua maioria, está na ressaca estival, embora resistam alguns sortudos que ainda têm dias para gozar. Começar o ano agora seria muito mais apropriado e maneirinho que em janeiro. Até porque esta primeira semana de setembro, geralmente precedida pelas férias, representa a rotura mais importante no decurso dos 12 meses que compõem o calendário. Setembro é o mês do recomeço. Depois de uma pausa mais longa, é o regresso ao trabalho, às escolas, às atividades de todos esquecidas durante algumas semanas, aos propósitos renovados, mas quase sempre incumpridos. E é aqui que bate o ponto, o novo embate frontal com a realidade: a carestia de vida, para quase todos, a perda de poder de compra dos salários e das pensões que não acompanham a inflação; as taxas de juro que agravam os custos da habitação ou o acesso a ela, ... - e, por consequência, um agravamento das tensões sociais em quase todos os setores: da saúde aos transportes, da educação à justiça.

DestaquedestaqueNinguém perdoaria que uma maioria absoluta fosse tão escandalosamente desperdiçada. Até por isto, o ano deveria começar a 1 de setembro.

Dados da OCDE inscritos no "Employment Outlook" revelam que os salários reais caíram praticamente em todos os setores e países desenvolvidos, Portugal incluído, enquanto as margens de lucro cresceram mais do que os custos do trabalho. E se as margens empresariais têm vindo a contribuir para a inflação, os salários, pelo contrário, acabaram por ter um efeito moderador nos aumentos de preços. Se Portugal evitou o risco de uma maior espiral inflacionista, ao longo do último ano, isso deveu-se em grande parte ao comportamento dos salários e ao sacrifício dos trabalhadores. As consequências estão aí: a perda de poder de compra afeta diretamente o rendimento disponível das famílias e, desta forma, o consumo interno. E o enfraquecimento do consumo interno acabará por afetar também o crescimento económico, que será mais reduzido. Apesar da instabilidade internacional e de certas previsões exageradamente derrotistas, a economia portuguesa, nos seus números mais gordos, até tem resistido melhor do que algumas das europeias. Ainda assim, os desequilíbrios internos e o agravamento das desigualdades de rendimentos continuam a ser as ameaças que mais pesam sobre nós, quando se sabe que um em cada cinco portugueses está em risco de pobreza: quase dois milhões de pessoas, das quais 345 mil são crianças. E este risco afetaria o dobro dos desgraçados, não fossem os apoios sociais, alguns deles reforçados no último ano.

O embate com a realidade revela, porém, que é preciso ir mais além na medida desses apoios. E que é urgente recuperar o poder de compra dos salários, sem esperar mesmo pelo próximo orçamento do Estado - instrumento que, na melhor das hipóteses, não estará aprovado antes de finais de novembro. Não atender a esta emergência seria ignorar os riscos de um efeito ainda mais negativo sobre a desigualdade e a pobreza nos sectores com salários mais baixos. Isto, claro, para além do previsível agravamento das tensões sociais, em particular para aqueles que nunca perdoariam que uma maioria absoluta pudesse ser tão escandalosamente desperdiçada. Até por isto, o ano deveria começar em 1 de setembro. E já vamos, hoje, com cinco dias de atraso.

Jornalista

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