Feira Popular
Dá vontade de rir, mas o riso não tarda a revelar-se amargo. Posta perante a tentação de arrasar no dia de Ano Novo, a TVI programou Avatar, filme com quatro anos que, aparentemente, ainda pode ser vendido como uma novidade escaldante. Nada de novo: o acesso das estações generalistas ao cinema é difícil (por um lado) e pouco compensador (por outro), pelo que é preciso compreender o triunfalismo com que Queluz de Baixo tem vindo a promover a "estreia".
Daí a utilizar-se slogans como "Nunca o cinema esteve tão próximo da realidade", porém, vai uma enorme distância. Primeiro, porque não chega a ser uma ironia provocatória: é uma falsidade mesmo, pois todos os dias o cinema é melhor espelho e até melhor metáfora da vida, mesmo nos domínios do fantástico (e da ficção científica em particular). Depois, porque, essa falsidade não chega a ser inocente: é de facto um aproveitamento demagógico da infantilização do público adulto, a quem também a TVI aproveita para seduzir com a lógica reconfortante de que "infantil é melhor".
Não, infantil não é melhor. Infantil é infantil mesmo - e Avatar sustenta o seu sucesso no mesmo mecanismo que leva um homem adulto a dar só mais uma voltinha no comboio fantasma, arrastando os filhos (já muito aborrecidos) porque simplesmente não quer tornar a despertar para a realidade. Nenhum julgamento moral a fazer: a realidade em que vivemos é neste momento bastante difícil - às vezes apetece mesmo esquecê-la. Mas gritar aos sete ventos que a realidade, afinal, está no comboio fantasma, só para entretanto poder impingir as promoções do Continente e os saldos do El Corte Inglés, parece-me mais do que uma alucinação: parece-me uma distinta lata.