Federações britânicas impedem menores de 12 anos de cabecear bolas nos treinos

Federações de Inglaterra, Escócia e Irlanda revelaram um guia orientador que indica que crianças entre 6 e 11 anos não devem cabecear a bola durante os treinos
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Há muito que especialistas em lesões cerebrais querem banir cabeceamentos no futebol, mas agora as Federações de Inglaterra, Escócia e Irlanda anunciaram as primeiras medidas práticas sobre o assunto.

O "Guia de Cabeceamento atualizado", elaborado em conjunto com o comité médico da UEFA, indica que crianças entre 6 e 11 anos de idade não devem cabecear a bola durante as sessões de treino. Entre os 12 e os 16 anos será adotada uma "abordagem gradual" aos cabeceamentos, mas não haverá um limite para o número de cabeceamentos para qualquer faixa etária durante os jogos.

Para o novo diretor executivo da Federação Inglesa (FA), Mark Bullingham, "este guia de orientações é uma evolução das diretrizes atuais e ajudará treinadores e professores a reduzir e remover repetitivos e desnecessários cabeceamentos no futebol juvenil".

Estas diretrizes foram divulgadas após um estudo sobre jogadores de futebol e doenças cerebrais levado a cabo pela Universidade de Glasgow durante o ano passado, com base nos registos de saúde de 7.676 ex-futebolistas e outras 23 mil pessoas, e que chegou a conclusões chocantes.

Segundo o estudo, o ex-futebolistas tinham 3,5 mais vezes probabilidades de morrer de doenças cerebrais do que um não ex-futebolista e, mais especificamente, cinco vezes mais probabilidades de morrer de Alzheimer, quatro vezes mais probabilidades de morrer de doenças do neurónio motor e duas vezes mais probabilidades de morrer de Parkinson.

"Embora a investigação não sugira que os cabeceamentos no futebol juvenil sejam um fator decisivo para as doenças cerebrais, o futebol escocês tem o dever de cuidar dos jovens, dos pais deles e dos que estão responsáveis pelo bem-estar deles no futebol juvenil", disse o diretor executivo da Federação Escocesa, Ian Maxwell.

Embora as novas diretrizes tenham sido recebidas com agrado pelas instituições ligadas a lesões cerebrais, estas frisam que há espaço para fazer mais. "Parece-me totalmente sensato limitar o número de vezes que crianças podem jogar futebol. A questão é: é suficiente? Deve ser limitado a crianças", questiona o diretor executivo da Headway, Peter McCabe. "Não podemos permitir que as principais questões permaneçam sem resposta, como com que idade é seguro cabecear uma bola de futebol, se é que existe. Também não podemos esperar 30 anos pelos resultados de um estudo longitudinal para revelar as respostas ou hesitar em introduzir outras medidas de senso comum que protegem os jogadores, como as substituições devido a concussão [no críquete]", acrescentou.

"Não faz sentido controlar com a cabeça um objeto que se move a alta velocidade"

O neuropatologista e patologista forense Bennet Omalu, um dos mais conceituados a nível mundial, tem-se dedicado ao longo da última década e meia ao estudo encefalopatia traumática crónica, que diz ser causada por repetidos traumatismos cranianos e ter efeitos ao longo prazo, e é um defensor acérrimo da proibição dos cabeceamentos.

"Não faz sentido controlar com a cabeça um objeto que se move a alta velocidade. Considero que, a um nível profissional, precisemos de restringir os cabeceamentos. É perigoso", argumentou o clínico nigeriano-americano à BBC Radio 5 há cerca de ano e meio. "Nenhum jovem com menos de 18 anos deve cabecear uma bola. As crianças entre os 12 e os 14 anos devem jogar com o menor contacto possível. As crianças entre 12 e os 18 anos podem jogar futebol, mas não devem cabecear a bola", reforçou, reclamando uma mudança de regras: "Sei que é difícil de aceitar para muita gente, mas a ciência evolui. Nós mudamos com o tempo, a sociedade muda e é altura para mudarmos alguns dos nossos comportamentos."

A BBC recordou em agosto de 2018 que se concluiu que a morte de um antigo jogador do West Bromwich e da seleção inglesa, em 2002, foi causada por um traumatismo cerebral causado por bolas de couro pesadas. Jeff Astle tinha 59 anos e sofria de Alzheimer há dez, depois de uma carreira de 18 anos. Desde então que a sua filha Dawn tem pedido para que as entidades que tutelam a modalidade investiguem possíveis ligações entre a encefalopatia traumática crónica e os cabeceamentos na bola. "Agora é um facto. Não estamos só a dizer que outros jogadores poderão ter morrido devido ao mesmo problema do meu pai, é um facto mesmo", vincou.

Outro antigo futebolista inglês, Rod Taylor, morreu em abril de 2018 devido à mesma causa. "A demência do meu pai foi causada por cabecear a bola e concussões. Não podemos esperar pela morte deles para os começar a ajudar. Temos que começá-los a ajudar agora", frisou a filha Rachel Walden, que reclama mais apoios por parte da Federação Inglesa (FA) e da Associação de Futebolistas Profissionais de Inglaterra (PFA) aos antigos futebolistas e às respetivas famílias. "Não estamos a culpar os clubes e não se trata de mudar o jogo, é tentar fazer com que a PFA assuma a responsabilidade pelos seus membros na hora em que eles mais precisam", frisou.

A outros vários antigos futebolistas de topo foram diagnosticada demência, incluindo alguns campeões mundiais por Inglaterra em 1966, o que se acredita ter sido causado pelo efeito do contacto entre a cabeça e a bola. "O cérebro humano flutua como um balão no interior do crânio. Quando se cabeceia a bola, sofre-se dano cerebral. Sofre-se danos cerebrais sempre que se cabeceia a bola", explicou Bennet Omalu. "Jogar futebol aumenta o risco de sofrer danos cerebrais numa idade mais adiantada e favorece o desenvolvimento de demência e encefalopatia traumática crónica", acrescentou o clínico.

Noutra modalidade também com tradição em Inglaterra, o críquete, foram introduzidas este ano substituições para permitir às equipas trocarem um jogador que tenha sofrido uma concussão ou uma suspeita de concussão. Já no râguebi, estão previstas mudanças às leis de jogo para reduzir o número de lesões.

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