"Fazer música para filmes é uma relação de colaboração"
Também conhecido pela longa colaboração com PJ Harvey, John Parish atuará em frente a uma tela de cinema, sonorizando, ao vivo, alguns excertos de filmes. Desde final dos anos 1990, quando escreveu a música para Rosie, filme de estreia da realizadora belga Patrice Toye, que John Parish compõe música para cinema e teatro. Essa banda sonora valeu-lhe, aliás, um prémio especial do júri, na bienal de Bona de Música para Cinema e Televisão. Desde então já participou em diversas produções, como L"Enfant d"en Haut, da realizadora franco-suíça Ursula Meier, vencedor do Urso de Prata, em Berlim, em 2012. Ambos os filmes farão parte do alinhamento do espetáculo que agora traz a Portugal.
Quase em simultâneo com a carreira de músico, iniciada ainda nos anos 1980, John Parish começou também a trabalhar como produtor, sendo o seu toque de Midas reconhecido em álbuns como Souljacker, dos Eels, To Bring You My Love ou Let England Shake, ambos de PJ Harvey, e mais recentemente no aclamado disco de estreia de Aldous Harding, Party. Foi também ele quem produziu, em parceria com o australiano Mick Harvey, o último disco do português Mazgani, The Poet"s Death, editado no final do ano passado.
Quais as diferenças entre fazer música pop rock e bandas sonoras para cinema e teatro?
A diferença mais óbvia é que fazer bandas sonoras para cinema e teatro resulta de uma experiência colaborativa, na qual a música é apenas uma das partes que compõem o todo. Isto traz ao compositor algumas restrições no momento da criação, pois a música tem de encaixar nos diálogos dos atores e nos tempos do filme. Ao mesmo tempo também nos permite alguma liberdade, porque a existência de um foco visual significa que podemos usar o silêncio e o espaço de um modo que seria quase impossível de fazer num disco.
O que o levou a começar a compor bandas sonoras?
Tudo começou quando a realizadora belga Patrice Toye decidiu usar o tema instrumental Girl, que fazia parte do primeiro álbum que eu e a Polly Harvey fizemos em conjunto, Dance Hall at Louse Point, na banda sonora da sua primeira longa-metragem, Rosie. Ela gostou tanto do resultado que acabou por me convidar para escrever toda a banda sonora. Foi um convite mesmo na altura certa, pois nessa época eu estava a trabalhar numa série de peças instrumentais, que acabaram por ser a base dessa primeira banda sonora.
Qual é o maior desafio para um compositor quando está a criar música para acompanhar um filme?
São inúmeros e sempre diferentes, pois nunca há dois filmes iguais. Para mim, um dos maiores desafios é encontrar a palete musical inicial. A partir do momento em que percebo qual o instrumento, ou conjunto de instrumentos, no qual me devo focar, tudo começa a encaixar. Creio que o mais importante de tudo é conseguir criar uma boa relação com o realizador. Temos de ser capazes de confiar e de nos entendermos um ao outro, um pouco como também acontece na relação entre músico e produtor, quando se está a fazer um disco.
Como surgiu este projeto e como foi criado o espetáculo?
O álbum Screenplay nasceu porque a dada altura percebi que já tinha criado uma enorme quantidade de trabalho para bandas sonoras e que a maior parte nunca tinha sido editada. Pensei neste trabalho como um disco normal, que compilasse alguns desses temas, para as pessoas os poderem ouvir e apreciar a música, mesmo sem nunca terem visto os respetivos filmes. Mas quando decidimos passar o disco para o palco, optámos por lhe acrescentar o tal elemento visual original, embora de uma forma diferente. Em vez de tocarmos a música tal como aparece nos filmes, cortámos parte dos filmes para que estes encaixassem na música, ou seja, fizemos o trabalho ao contrário daquilo que é habitual quando se compõe para cinema. Por outro lado, também quis incluir alguns pedaços de diálogo entre as canções, para acrescentar um pouco de voz naquilo que é predominantemente música instrumental.
O que o leva a aceitar fazer uma banda sonora para determinado filme?
Normalmente começo por ler o guião, para ver se me agrada, mas o mais importante é a conversa com o realizador, para perceber se estamos ambos no mesmo comprimento de onda. E se tudo correr bem a esse nível, começo logo a escrever alguns esboços, para ver como as coisas evoluem.
Em paralelo com a carreira de músico e compositor, é também um muito solicitado produtor. O que o preenche mais enquanto artista?
Na verdade eu preciso de todos esses elementos, até porque todos eles alimentam a mesma coisa, que é a minha necessidade de fazer música. Para mim tudo se resume a isso, poder fazer música.
Apesar de todo o tempo que passa em estúdio, nunca abdicou de continuar na estrada e no palco. Esse lado mais rock continua a ser uma necessidade?
Tocar ao vivo é totalmente diferente de tocar em estúdio. O contacto com o público é vital para um músico, até porque corremos o risco de nos tornarmos bastante insulares se não sairmos de vez em quando por aí, para nos divertirmos um bocado em cima de um palco.
Quais são as suas bandas sonoras favoritas?
É uma pergunta difícil. Mas não posso deixar de referir Once Upon a Time in the West, de Ennio Morricone, e Belly of an Architect, do Wim Mertens, com uma pequena ajuda do Glen Branca.
E com que realizador gostaria de trabalhar no futuro?
Essa é uma daquelas perguntas que não consigo mesmo responder. Genericamente, com alguém que me compreenda e a quem eu compreenda.
Informação útil
Screenplay - John Parish
Hard Club, Porto. 3 de maio, às 21.30. 15 euros
Culturgest, Lisboa. 4 de maio, às 21.30. 15 euros