"Fazer de Poirot pôs-me mais consciente dos detalhes"
Um corrupio danado no primeiro andar do velho e luxuoso hotel Claridge's, em Londres. Foi assim na quarta-feira, com o ator e realizador Kenneth Branagh a ser o homem mais procurado do dia - não é caso para menos, afinal estamos na véspera da antestreia de Um Crime no Expresso do Oriente, adaptação com toda a sumptuosidade do mundo do livro policial de Agatha Christie. Um filme em que Branagh é o "melhor detetive do mundo", o belga Hercule Poirot, à frente de um elenco que inclui estrelas como Michelle Pfeiffer, Johnny Depp, Penélope Cruz, Dame Judi Dench, Willem Dafoe e Daisy Ridley.
No charmoso Claridges', ao lado do realizador e protagonista está o batalhão de senhoras da promoção da 20th Century Fox, o segurança e o agente. Antes de falar com o DN, tem ainda uma conversa com um veterano jornalista inglês que o trata por Ken. Alguém no corredor pergunta se ele não prefere ser tratado por Sir, título dado pela rainha. Obviamente não prefere. Ainda antes do início da entrevista, vemos também o seu publicista a fazer-lhe chegar um livro oferecido pelo ator norte-americano Tom Hanks, igualmente no hotel e em deveres de promoção do lançamento do seu novo livro. Hanks, que segundo se percebe, não teve tempo de vir cumprimentar pessoalmente Branagh.
E tempo é algo que esta sumidade dos palcos ingleses é hábil em gerir: enquanto promove este filme está a rodar para a Disney um divertimento juvenil chamado Artemis Fowl, com Judi Dench, depois de já neste verão ter surgido como ator num dos papéis-chave de Dunkirk, de Chris Nolan. Por isso, para o DN tem o tempo contado mas é todo sorrisos, começando por fazer questão de não esconder o seu fanatismo por Agatha Christie, a escritora britânica que mais livros vendeu: "Este conto de Agatha Christie é um mistério intemporal! Ela usa 12 personagens para deixar sem fôlego os leitores num conto tão poderoso como inquietante sobre vingança, tudo isso navegado por um detetive inesquecível..."
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Branagh quis ser fiel ao espírito de Christie mas aproveitou a fórmula do policial para aqui e ali deixar marcas de Shakespeare. A ideia era encenar o mistério como um espetáculo teatral à escala desmedida, sem medos. A tentação da tragédia shakespeariana era inevitável. O ator e realizador concorda: "Para mim, há um subtexto de grande perturbação aqui, o que também estava no maravilhoso filme de 1974 [realizado pelo sempre certeiro Sidney Lumet], que era diferente. O meu filme talvez seja um pouco mais profundo. O Matthew Pritchard e o património que gere a obra de Christie deixaram-nos fazer algumas mudanças: alterámos o começo, algumas das personagens - a Penélope Cruz torna-se a Pilar - e também o final. Quem pensa que conhece este filme talvez vá ter uma surpresa."
Os connaisseurs de Agatha Christie não se vão atirar ao céu com o bigode imenso e gigante deste novo Poirot. A autora nunca escondeu que não gostava dos bigodes de Albert Finney ou Peter Ustinov por serem insuficientemente volumosos e extravagantes. Esta farta bigodaça de Branagh no filme é um espetáculo à parte e ele próprio sabe que tem de estar sempre a falar dela: "Sim, é verdadeiramente enorme. Agatha Christie escreveu que ele tinha o bigode mais magnífico e imenso em Inglaterra, capaz de carregar todo o seu esplendor. Enfim, esse bigode mostra-nos que quando ele se olha no espelho tem a noção que causa impacto! Muitas vezes, Poirot acaba por ser ridicularizado e subestimado pelo bigode, coisa que se torna útil para um detetive na medida em que os suspeitos baixam a guarda e ele consegue descobrir a verdade."
Mas se bigodes há muitos, o sorridente realizador continua no pique da boa disposição e numa onda confessional: "Sabe, nem imagina como o Kenneth Branagh realizador é exigente para o Kenneth Branagh ator, sobretudo no caso do bigode, que demorou meses e meses a ser escrutinado ao pormenor! Fui também muito exigente na tentativa de encontrar aquele sotaque belga e em arranjar aqueles seus fatos feitos à mão. Outro pormenor? Os sapatos! Tive de andar muito tempo com eles para ficarem com o meu jeito. Eu próprio fiquei um pouco um taradinho da compostura. Acredite, o realizador foi muito exigente para o ator."
Acreditamos mas temos ainda de lhe perguntar se é um taradinho da observação, se está sempre a observar os outros, um pouco como Poirot. Responde de novo com um sorriso: "Num dos ensaios com o Derek Jacobi ele disse-me que eu estava a ser muito perturbador no meu olhar. Limitei-me a dizer que estava a olhar para ele como um detetive. Se calhar, é assim o olhar de um realizador à procura de uma grande interpretação. Fazer de Poirot pôs-me mais consciente dos detalhes, sobretudo porque filmei com uma câmara de 65 mm, seja a enquadrar os Alpes ou um detalhe de uma mesa. Tem tudo que ver com concentração à Poirot."
Antes da despedida, uma derradeira confissão: "Seria muito interessante juntar Sherlock Holmes a Poirot no mesmo filme, sobretudo nestes tempos cinematográficos que vivemos. Ligue a alguém para contar esta nossa ideia."
Em Londres