Peregrinos estão de volta a Fátima. "Não esperávamos tanta gente"

Dois anos depois, os postos da Ordem de Malta e da Cruz Vermelha Portuguesa reabriram para apoiar os peregrinos que se dirigem para o Santuário. Esperavam menos gente do que a enchente que acabaram por enfrentar.
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No posto da Ordem de Malta de Condeixa, a enfermeira Amélia vai massajando os pés de Fátima. A peregrina vem a caminhar desde Viseu, há vários dias, e só agora o corpo começa a dar os primeiros sinais de quebra. Tal como os milhares que por estes dias enchem as estradas - sobretudo o IC2, vindos do norte do país - também ela (que até herdou o nome da virgem que leva tantos ao Santuário) passou dois anos sem peregrinar. A pandemia afastou do Santuário de Fátima milhares de crentes que por estes dias têm voltado ao recinto, num regresso muito aguardado não só pela Igreja como também por toda a cidade: a hotelaria está praticamente ocupada a 100%, com preços que superam os de 2019, pré-pandemia.

"A verdade é que não esperávamos tanta gente", admite Augusto Pinto Osório, cavaleiro da Ordem de Malta e chefe de posto, que recebe o DN à entrada de uma das tendas, onde uma médica e enfermeiras vão assistindo peregrinos. É hora de almoço, e apesar do calendário nos dizer que é maio, o mês é maduro demais para os 28 graus que se fazem sentir àquela hora. Quem caminha no alcatrão "sente-o como se fosse o dobro", há de dizer-nos Rogério Silva, motorista de um grupo da Maia, exímio na organização. Mas esse nunca precisará do apoio dos vários postos da Cruz Vermelha ou da Ordem de Malta, as duas entidades que ao longo da estrada vão apoiando voluntariamente os peregrinos. Em Águeda, Santa Luzia, Condeixa, Barracão e Santa Catarina da Serra, já muito perto de Fátima, os postos de apoio fazem toda a diferença, num trabalho iniciado há quase meio século. Abriram no dia 6 de maio e encerraram esta quarta-feira, dia 11. Augusto Osório sublinha no entanto a grande dificuldade que este ano notaram "junto dos hospitais, [foi] na hora de conseguir a dispensa de enfermeiros, porque há cada vez menos pessoal. Ainda assim, temos tido grande apoio do Hospital Santo António e São João, mas também do Santa Maria, e também alguns voluntários do IPO. Temos também um protocolo com a Escola Superior de Enfermagem do Porto e com a Universidade Católica de Lisboa, para nos trazer voluntários e melhor servir os peregrinos".

Quem apoia, também nota diferenças. "Quem vai do norte quer é lá chegar, muito mais depressa. Por isso é que a sul não temos postos fixos, porque aí a dinâmica é outra. São grupos grandes, a lógica de peregrinação é outra, muitas vezes acompanhados por padres".

Dentro das tendas faz-se muito mais do que tratar as bolhas dos pés. Há macas onde é possível fazer massagens "da cabeça aos pés". E também "todo um apoio espiritual", não fosse aquela uma organização "católica, apostólica e romana".

Augusto, que mora em Arcos de Valdevez, também já fez o caminho de Fátima. Tinha 18 anos quando o percorreu a primeira vez. Ao cabo de décadas de voluntariado, sabe que o reconhecimento chegará sob as mais diversas formas. Como no abraço da companheira que interrompe a conversa, porque acaba de regressar de Fátima, pois que já fez a peregrinação, já regressou, e está pronta para ajudar na reta final do apoio aos outros peregrinos.

O calor aperta quando o grupo de peregrinos da Maia se junta à entrada do café Surpresa, um dos muitos negócios fechados à beira da estrada. A pandemia teve o condão de acabar com muitos estabelecimentos similares, mas não foi o caso deste, que fechou portas há vários anos. À sombra, o grupo aproveita a escadaria para rezar o terço. São 38 pessoas, um momento documentado em vídeo por Rogério Silva, 54 anos, auxiliar de manutenção, o motorista que "trata de tudo". "Ninguém atravessa a estrada, por exemplo. Sou sempre eu, se for preciso ir buscar alguma coisa", diz ao DN, quando se refere ao perigo a que acabamos de assistir, perto de Pombal, quando um grupo de dezenas de peregrinos ocupa literalmente toda a estrada em frente a um camião.

Dentro da carrinha, cada peregrino tem uma mochila e uma mala com o suficiente para os seis dias de viagem. São 213 km, que vão pernoitando em hotéis previamente marcados. Com o grupo vão três enfermeiras e três guias credenciados pela Mensagem de Fátima.

Rogério tinha uma promessa de ir a pé, também, "mas está cumprida". Afinal, o grande mentor das peregrinações do grupo, Elísio Graça, faleceu no primeiro confinamento. Foram 45 anos a caminhar até Fátima, em cada 13 de maio.

Entre os postos de Condeixa (Coimbra) e do Barracão, já no distrito de Leiria, distam quase 40 km, o que equivale a caminhar perto de oito horas. Em Pombal, a meio caminho, há um outro apoiado pela Cruz Vermelha. É entre ambos que encontramos o "grupo da Mariazinha", de Gondomar. Ela é a última. Mariazinha é, afinal, Maria Antónia Monteiro, 53 anos, mentora desta peregrinação, que desde há 21 anos "organiza tudo". "Faço isto porque espiritualmente faz-me bem. Não é propriamente por promessa", explica ao DN, depois de se certificar que o grupo já vai todo à sua frente. São 52 pessoas, partiram há seis dias de Baguim do Monte. Enquanto esperam por ela, dois dos elementos vão distribuindo águas e fruta a quem passa na estrada. "É muita gente, minha senhora. Nunca me lembro de ver tanta gente. Ou então, com a pandemia, já não nos lembrávamos".

dnot@dn.pt

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