"Saudades, de um amor ou do Brasil? Ou de ambos?". Luís Francisco, 41 anos, e Alfredo Silva, 22, dizem que a "saudade bate" pelo país. E não se alongam em pormenores. O primeiro é natural do Paraná e imigrou há cinco anos. O segundo deixou Minas Gerais há quatro. Conversam e bebem uma cerveja portuguesa ao som da música sertaneja do duo Jorge e Mateus. Reproduzida ao vivo a mais de seis mil quilómetros das origens, distância que o ambiente do X-Picanha, um café em Lisboa, faz esquecer por momentos. "Fui bater uma pelada em Santo Adrião." É a justificação do Luís para estar tão longe de casa, em Alcochete. Trabalha na construção civil, tal como o amigo, que vive em Loures. E o Xi-Picanha, junto à Morais Soares, é um lugar de encontro da comunidade brasileira. É garantia de se encontrar amigos, comer um salgadinho (coxinha, quibe, esfirra, pão de queijo). Aos sábados, há música ao vivo no café da Marli, a dona. E canta o Cristiano, às vezes acompanhado pelo Fabricio. São brasileiros, claro, comunidade que inventou os "cafés dançantes" em Portugal."E aí? Como vai?" "Boa tarde, o que é que está dando?" Juntam-#-se ao grupo a Juliana Cordeiro, de 24 anos, e o Cristiano Pinheiro, de 25, que imigraram há dois anos e meio. Trabalham na restauração. Pegam numa cerveja e saem para o passeio. Passam 30 minutos das 18.00 e o café começa a ser pequeno. Todos se conhecem, falam dos amigos, sabem as novidades do Brasil."Vivo da música. Vim há dois anos, fiquei um mês parado. Comecei a trabalhar nas obras e em restaurantes até entrar na música. Toco vários estilos, brasileira e estrangeira, consoante o sítio", diz Cristiano, 30 anos. Vive com uma portuguesa de quem tem uma filha de cinco meses. Já Fabricio continua nos mármores. Tem 28 anos e imigrou há sete. A música tem de acabar às 20.00, explica Vanderleia, uma das funcionárias. Tem 35 anos e vive em Portugal há dois. Os portugueses ainda têm dificuldade em perceber porque é que os brasileiros estão sempre em festa. Festa que transborda rua fora. Os moradores na zona, sobretudo idosos, lançam olhares, esboçam sorrisos. Um ou outro entra para provar um petisco. Indiferentes, os brasileiros já gingam ao som da música. A diferença numérica entre a clientela brasileira e as outras etnias no Café do Gomes, na Costa de Caparica, é de oito brasileiros para dois. Mas os portugueses já pedem esfirra ou coxinha e não perdem a feijoada à brasileira aos fins-de-semana. Os brasileiros preferem o feijão tropeiro, o frango com quiabo e o caldo de mocotó. O café fica no centro comercial Oceano, onde Ivairto Santana Gomes - "falo Ivairto e ninguém percebe " - tem pelo menos mais três espaços: um armazém, um cibercafé e um cabeleireiro. "Não sou rico. Não tenho dinheiro, tenho trabalho", graceja.Chamam "o pai dos brasileiros" a este baiano de 47 anos, criado em Minas Gerais. Há dez anos, apanhou um táxi no aeroporto de Lisboa para a Costa de Caparica, onde vivia uma amiga, e ficou. "Sou conhecido em toda a Europa. Os imigrantes vêm à minha procura para encontrar trabalho, mas as coisas agora estão difíceis. Quando cheguei, iam buscar--nos a casa, agora não há trabalho. Aqui na Costa, 50% dos imigrantes regressaram a casa", conta Gomes.A expansão da marca Gomes traduz o tipo de negócio da comunidade. Os serviços de Internet, os comes e bebes e os penteados, como o "fazer escova (brushing), a escova progressiva, a escova definitiva ou a desfrisagem são as áreas privilegiadas. André Lemos, 45 anos, há 12 em Portugal, é o responsável pelo salão e diz que é obrigatório ver telenovela para estar a par das modas. "Fazer escova" custa entre seis e dez euros, depende dos "pacotes". Tem nas mãos os cabelos de Cláudia Teixeira, 20 anos, estudante de Turismo, portuguesa, tal como 40% dos clientes. "Costumo ir a outro cabeleireiro. Vim esticar o cabelo e estou a gostar. Vou voltar", frisa. Tem de fazer um esforço de memória para se lembrar de cabeleireiros portugueses na Costa de Caparica. São muitos os salões brasileiros. Mas estamos numa das zonas de implementação da comunidade brasileira no País. Luzia Silva, 36 anos, percebeu isso e criou o Mercado Brasil Tropical, com uma loja na Costa e outra em Almada. Chegou a Portugal com 25 anos. "Ninguém comia arroz com feijão, agora todo o restaurante tem. Não havia mandioca, quiabos. Agora há isso tudo. Sou da Baía. O meu irmão tinha uma churrasqueira e vim morar e trabalhar com ele", explica, enquanto serve os clientes, brasileiros na sua grande maioria. Compram o queijo de Minas Gerais e as espetadas de queijo para grelhar, a farinha de trigo para o quibe, milho amarela ou branco, a cerveja brasileira (Skoll), a canjica (sopa de carne), o leite de côco, o pé--de-moleque (amendoim com açúcar queimado) e uma infinidade de concentrados, a pitanga e a graviola, mas também a goiaba e a acerola. E muitos cremes para o cabelo, amaciadores e desfrisantes.Quiabo era um vegetal que Raquel Soeiro, viúva, 74 anos, desconhecia até há bem pouco tempo, tal como a beringela. Ainda não tomou o gosto aos quiabos, mas já não dispensa a beringela na sopa. "Antigamente não havia nada disto, a minha nora vem aqui muito", esclarece. Está a falar do minimercado do Shafiq, mesmo ao lado de sua casa. Shafiq Tahir é um paquistanês que já tem a nacionalidade portuguesa. Vive em Portugal há oitos anos. É, também, o dono do Taste of Pakistan, comida paquistanesa e indiana, na mesma rua da mercearia, São Pedro Mártir, nas traseiras do Martim Moniz.Bairro típico português e, cujos habitantes, na maioria idosos, vão sendo substituídos por gente de todos os cantos do mundo. Como os clientes de Shafiq. "Tenho clientes de todos os países, muitos portugueses, mas também franceses e espanhóis, mais que paquistaneses e indianos", diz.Os residentes acham graça a esta miscigenação desde que não lhes "estrague" o descanso. "Há de tudo. Há pessoas bem educadas e que falam bem. Mas também há quem venha para aqui à noite fazer barulho e brigar. E nas escadinhas, ali mesmo à frente, vendem droga. Esta rua devia ser mais vigiada pela polícia", queixa-se Carminda Moutinho, 67 anos, dos quais 40 a residir na rua.Sabores da ÁsiaOs portugueses parecem dar-se bem com os produtos e sabores asiáticos. As suas lojas atraem a população local e os chineses são o exemplo máximo disso. A visibilidade comercial que têm no País ultrapassa, em muito, a dos cerca de 13 mil residentes legais. As lojas estão por todo o lado.Tendo por base os números de Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal, há praticamente um negócio por cidadão chinês. O dirigente contabiliza 10 mil empresários, distribuídos por 4400 espaços, 4000 dos quais bazares, que tudo vendem e ao mais baixo preço, e que dão emprego a 15 mil pessoas. Mas Ping Chow também nos diz que a comunidade já ultrapassou os 20 mil, ou seja, mais sete mil que os legais. Também os dirigentes das outras comunidades referem que os números oficiais estão inflacionados.Silvina Silva, 75 anos, é uma cliente fiel. A magra reforma obriga-a a fazer malabarismos para chegar ao fim do mês e as lojas de chineses são uma boa solução. "Os portugueses têm um defeito, querem ganhar tudo de uma vez", critica. Vive nos Olivais, mas é na Loja Vigorosa, na Almirante Reis, que compra as "suas prendinhas", os "bonequinhos que falam e mexem" e os aparelhos electrónicos. E há outro pormenor: Silvina não vê e, no momento de pagar, abre o porta-moedas. "São muito honestos. Uma vez paguei e não levei uma coisa. Dias depois, ainda estava na porta e já me diziam que a tinham guardado."São também os preços baixos que levam Maria Amélia, 58 anos, a mãe, e Maria Alcobia, 32 anos, a filha, a comprar na Loja Do Do, na Morais Soares, em Lisboa. "Esta é uma boa loja de chineses. Está muito bem organizada, arrumada e cheira bem", justificam. Compram sobretudo meias, pijamas e fatos de treino, muitos dos quais para a pequena Tatiana, de oito anos, que gosta de escolher as roupas.Entram, também, outras comunidades, como Maria das Dores Rodrigues, 41 anos, brasileira de Minas Gerais, a viver no País há oito anos. É ajudante num lar de idosos e elogia os artigos a preços baixos.Os donos são o casal Wang e Ling Guanjun, imigrados há 15 anos. As filhas, de seis e cinco, ainda estão na China. Virão para o ano para Portugal, para iniciar a escola primária. Wang começou por trabalhar num restaurante e chegou a abrir o seu espaço, o Oriente Brilhante, mas não durou mais de ano e meio. "Comprei esta loja a um amigo de Shangai. São mais os portugueses que compram... sobretudo idosos. Os novos querem coisas de marca", explica. Estão abertos todos os dias e só ao domingo fecham mais cedo, às 18.00 em vez das 20.00.A Morais Soares é um exemplo de transformação das ruas portuguesas. Os grandes pronto-a-vestir, como a Grande Moda, deram lugar a lojas chinesas, económicas, produtos alimentares brasileiros, um ou outro café. O cenário continua na Almirante Reis, estendendo-se pelo Martim Moniz, considerado o centro da miscigenação do País. Os espaços que vendem quinquilharias, electrónica do extremo oriente, nomeadamente telemóveis, misturam-se com os dos alimentos e cabeleireiros africanos, em que as tranças nagó ou corrida, tranças soltas e até extensões têm preços mais acessíveis do que nos salões nacionais.Artista até no corteOsvaldo Gomes, 40 anos, de São Tomé e Príncipe, país de onde emigrou aos 27 anos, classifica-se de artista, músico e escultor. Actividades que não lhe garantem sustento, tem quatro filhos, três dos quais nascidos em Portugal. Moram em São João da Talha."É mais fácil cortar o cabelo do que fazer música. E tem de haver dinheiro para sustentar a música. Já ensinei, mas aqui não tenho hipóteses. Pedem um canudo, não conta o que sabemos, a experiência", lamenta-se. E até pensou em concorrer aos Ídolos, mas há muito que fez 30 anos, a idade máxima permitida. S. Tomé e Príncipe é o nome do salão de Osvaldo. Os outros três cabeleireiros africanos dão-lhe uma percentagem do que fazem, correspondente ao "aluguer" da cadeira. Tratam dos homens, sobretudo carapinhas. "Pedem o 'pank escovinha', cabelo cortado com a máquina, raso na nuca e 1 ou 1,5 em cima. O que está na moda são as cristas, mas é mais para os jovens", explica.Teresa Barreto, 28 anos, viajou da Guiné-#-Bissau há dez anos. Desde os 12 que faz tranças junto ao couro cabeludo (nagô ou corrida), podendo levar extensões, de cabelo verdadeiro ou sintético (corridas). As clientes trazem as missangas para fazer o tereré.Lúcia Afonso, 28 anos, tinha seis anos quando os pais a trouxeram de S. Tomé e Príncipe. Também aprendeu a fazer tranças, como todas as africanas, mas não com a perfeição de Teresa. E não gostou da experiência num cabeleireiro português. "Estão habituados aos cabelos lisos e ondulados, não é o mesmo." Vítor Bandeira, 32 anos, manobrador de máquina na estação de Moscavide, há oito em Portugal, assina por baixo. Mora em Odivelas, mas corta o cabelo no Martim Moniz. "Os portugueses cortam à mesma com a máquina, mas o cabelo deve ficar bem alinhado", diz. O negócio já teve melhores dias, assegura Osvaldo. "Havia menos cabeleireiros africanos, as pessoas estavam mais na construção civil. Mas, como isso está em baixa, começaram a abrir cabeleireiros."E há até quem, como Alda Gonçalves, junte ao cabeleireiro uma loja de venda de artigos para cabelos e produtos alimentares africanos. As duas lojas ficam junto à estação de Algueirão, no concelho de Sintra, onde a comunidade cabo-verdiana é mais expressiva. É a filha Adalgis, 23 anos, de Santiago, que veio para Portugal com três, que está à frente da loja. Os dois irmãos já nasceram cá. Os africanos compram-lhe banana-pão, fubá (farinha), nhami (peixe seco) e jorntche (pastéis de milho). A clientela portuguesa compra produtos para o cabelo.Cremes e tintas para cabelos frisados não faltam na mercearia do guineense Sulemane Daram, 29 anos. Uma mercearia que se abastece nos fornecedores chineses, indianos e directamente da Guiné, através de outros imigrantes. Aos sábados, chegam de avião pitacola, óleos de palma e de amendoim. O peixe seco (pentana e cachucho), as farinhas, os quiabos, as jagatu (espécie de tomate) e as baguiki (legume). A mercearia fica no Largo de São Domingos, em Lisboa, a paredes-meias com o Rossio. Largo onde estão vendedores ambulantes e com quem, por vezes, Sulemane faz negócio. Tudo se vende e compra. Até a balança pode ser alugada, 50 cêntimos por cada artigo pesado.O contraste com os negócios africanos não podia ser maior. Estamos a falar do comércio dos imigrantes da Europa de Leste, lojas que surgiram nos últimos dez anos. Importaram os legumes em conserva, uma grande variedade de peixe seco e de enchidos, bebidas com alto teor alcoólico, sobretudo a cerveja e o vodca. E, garante Andriy Yakhnytsyy, também têm "os melhores bombons". É o director de expansão da Monolith Ibérica, um ramo da empresa que tem sede na Alemanha e cujos sócios, três alemães e um espanhol, têm raízes no Leste europeu. A sucursal portuguesa já é gigante e está a dominar o mercado nacional na área dos produtos de Leste. Têm dez lojas, em Leiria, Lisboa ( é a maior e chama-se Mixmarket), Caldas da Rainha, Torres Vedras, Santarém, Carregado, Alverca, Quarteira, Albufeira e Faro. E estão disponíveis par comprar os minimercados da concorrência: Russinter, Russi Ibéria, Troika e Kalinka.É no Cacém que está o armazém e a direcção da empresa. Com muitas paletas e poucas pessoas. Tudo é analisado ao milímetro para evitar desperdícios e garantir os melhores preços, explica Andriy, um ucraniano que já é português. "Foi mais fácil obter a nacionalidade do que a autorização de residência", ironiza.E o que vendem? "Tudo o que os nossos imigrantes precisam, incluindo jornais. As nossas vodcas e cervejas têm muito mais álcool. E há o peixe seco e fumado, o leite fermentado (kefir) e as conservas", conta. Em frascos grandes. O negócio está sobre rodas, mas, de início, há quatro anos, foi complicado. "Não conhecíamos as leis e queríamos cumprir tudo." Os clientes são sobretudo ucranianos, moldavos, russos, romenos. Tal como os funcionários. Os primeiros porque procuram o que deixaram nas suas terras, os segundos porque é preciso falar a língua dos clientes.E, há quem, como Andry, a viver em Portugal há oito anos, que já prefere o peixe grelhado ao seco, a picanha aos enchidos da Ucrânia. Só não dispensa a borshch (sopa). E que faz compras em outra cadeia de supermercados. Tem desculpa, o escritório fica por cima do armazém. "Se me apetecer um produto ucraniano é só descer as escadas e tirar!"