Farm-sitting para os viciados em Farmville
«Licenciado no desemprego oferece-se para gestão ocasional do Farmville, 10 euros/hora. Horário e estratégia indicados pelo usuário», refere o anúncio publicado, há dias, num semanário. Como este, pelos meandros da internet, em blogues, salas de conversação ou no Facebook, não faltam ofertas de pessoas que, a troco de dinheiro, tomam conta das quintas virtuais que viciaram e continuam a viciar milhões de pessoas. Em Portugal, não há números sobre a quantidade de pessoas que jogam Farmville. Mas, de manhã cedo e à noite (antes e depois do emprego), o número de sementeiras, colheitas, ordenhas, tosquias e apanha de frutos aumenta exponencialmente, embora durante o dia também exista muita actividade. Pelas fotografias e pelo perfil dos agricultores, é possível perceber que os mais madrugadores e os mais tardios na horta são pessoas com emprego, com família e que, antes de levar os filhos à escola e depois de os adormecerem, dão um pulinho à Farmville e fingem que são latifundiários. Durante o dia, o perfil de quem cultiva é outro. Fotografias de jovens, muitos, crianças, reformados e desempregados. É vulgar encontrar no local destinado à profissão, funções como «estudante», «desempregado» e «trabalhador por conta própria». Para a Farmville, pessoas que não se conhecem trocam presentes, enviam sementes e objectos decorativos, oferecem gasóleo para o tractor e pedem ajuda publicamente quando lhes falta um prego ou uma tábua para, por exemplo, acabar de construir uma pocilga.
Ama real para cão virtual
Actualmente, as quintas virtuais permitem fazer pão e bolos, produzir e engarrafar vinho, vender produtos hortícolas e as vacas até dão leite com chocolate ou batidos de morango! Todos os animais têm de ser alimentados, e os cães, ou comem na hora devida, ou avançam para as hortas vizinhas, sendo necessário «pagar» (em moedas virtuais) um resgate para reaver o animal. Talvez por isso, Dora Caetano, de Leiria, lançou o apelo no Facebook: «Queremos uma ama para cuidar do cão do Farmville.» «Ao fim de semana vamos para a borga e não temos tempo para ir dar comida ao cão. Dava jeito se pudéssemos ter alguém para cuidar do coitado», explica Dora Caetano.
Para resolver o problema da falta de tempo dos agricultores virtuais, estão a surgir os primeiros farm-sitting, uma espécie de caseiros a quem os donos das quintas pagam para semear, fertilizar e colher. De acordo com os anúncios, os cuidadores das hortas são jovens licenciados, sem emprego, que encontram no vício alheio uma forma de ganhar a vida. Por dez euros/hora ou por quatro blocos de 15 minutos, os caseiros propõem-se fazer «todas as colheitas que estejam prontas, incluindo árvores e animais, e, em seguida, fazer novas plantações com os mesmos vegetais, frutos, cereais ou flores que estavam nas zonas que foram colhidas», refere César Seabra, o autor de um dos anúncios publicados a oferecer os préstimos de farm-sitting. No jogo, todas as culturas e o tratamento de animais têm prazos que, no caso de não serem cumpridos, implicam perdas para os agricultores. Com perdas não há pontos, e sem pontos não é possível subir de nível. O farm-sitting pretende evitar essas perdas. «Se o jogador souber que não vai ter tempo para cuidar da quinta, fala connosco e nós trataremos da Farmville por ele mas seguindo sempre as suas indicações», afirma um jogador que também cuida de outras quintas.
«Não gozem com o anúncio»
Em Ponta Delgada, nos Açores, está outro voluntário para tomar conta das quintas. «Cultivo, lavro a terra e recolho as plantações», descreve o homem, que pretende manter o anonimato. Para provar as suas competências, o agricultor virtual afirma ter uma média de três milhões de moedas (Farmville coins) e revela que a estratégia para obter os pontos que permitem subir de nível passa pela «compra repetitiva de objectos decorativos como cubos de feno ou cancelas». Sendo que cada compra oferece um determinado número de pontos, quanto mais compras e vendas efectuar mais pontos amealha, podendo assim mudar de nível. A título informativo, o zelador de quintas avisa que não fertiliza «as quintas dos vizinhos» e pede a quem ler o anúncio: «Por favor, não gozem. Há pessoas dispostas a despender o seu dinheiro nisto e eu disponho-me a despender o meu tempo e trabalho em fornecer o serviço.» «O segredo é a alma do negócio mas acredite que há quem não se importe de pagar para, por exemplo, durante uma semana ou uns dias, entregar a quinta ao cuidado dos outros», refere. As férias, as viagens de trabalho ou a impossibilidade temporária de tratar da Farmville são as vertentes mais exploradas pelos voluntários de farm-sitting. Contudo, esta prestação de serviços exige uma elevada dose de confiança já que, para aceder a uma quinta é necessário ter acesso ao perfil de Facebook do agricultor virtual. «Temos consciência da delicadeza da questão e comprometemo-nos a não publicar ou aceder a qualquer informação», garantem os candidatos a caseiros.
Privacidade garantida?
De resto, durante o período de duração de farm-sitting, os tratadores afirmam manter desactivado (offline) o espaço de conversação mas, por questões de segurança, aconselham a alteração da palavra passe de cada vez que recorra à ajuda de terceiros.
A palavra «pagamento» está banida dos anúncios publicitários. Mesmo depois de um primeiro contacto, os tratadores de quintas, optam por falar em compensação financeira, recompensa ou troca. «Obviamente que não passamos recibo», disse um dos candidatos a caseiros virtuais. A troca de serviço por dinheiro é feita antecipadamente por transferência bancária ou pelo sistema paypal. Entre os prestadores de farm-sitting existem as mais diversas formações académicas. Desde mestres em geociências a geólogos, licenciados em matemática, gestores, economistas e engenheiros agrários. «Estou desempregado, tenho conhecimentos que me permitem valorizar o lucro virtual da quinta e se há pessoas dispostas a compensar o meu trabalho, porque é que não o hei-de fazer», questiona o tratador de quintas residente em Ponta Delgada.