Às dez e meia da noite de terça-feira passada, discretamente, Fernando Serrasqueiro estacionou o carro em frente ao antigo Quartel de Cavalaria de Castelo Branco. O número dois da lista do PS naquele distrito, que tem o delicado encargo de substituir José Sócrates na campanha local, regressava de um dia em Lisboa passado entre a Assembleia da República e a sede nacional dos socialistas. Vinha cansado, sem jantar, mas não quis sequer reunir-se com os operacionais do partido antes de visitar o local onde, horas antes, tinham decidido realizar o comício de hoje, domingo, com Sócrates e António Guterres..Vestiu o sobretudo e, olhando em redor os taipais que envolvem as muitas obras do Polis, avançou pelo arco de entrada que dá acesso à antiga parada. Lá dentro, na praça deserta e fria, sob a luz amarela dos candeeiros, esperava-o a lista quase completa dos candidatos. "Então, quantas pessoas é que isto leva?", interroga. "Encostando os taipais ao edifício da RTP, leva cinco, seis mil", elucidam-no. "E eles, o PSD, para onde vão?" Para o Pavilhão Municipal, diz alguém. "Então vão-se esconder!", exulta Serrasqueiro..Iniciam uma volta ao recinto, medindo distâncias, subindo escadas, decidindo encostar o palco às obras da futura biblioteca municipal. Telefona entretanto Joaquim Mourão, presidente da câmara, para saber pormenores do reconhecimento nocturno. Está representado no local por um vereador, Jorge Neves, encarregue de proporcionar condições para que, no domingo, tudo corra bem. "Luz, energia?", pergunta-lhe Serrasqueiro. "Qual é a potência de que necessitam?", devolve o vereador. Como ninguém sabe, telefona-se para Lisboa "150 amperes, trifásico", determina o Largo do Rato..Sarmento nas minas. O dia do cabeça-de-lista do PSD, Nuno Morais Sarmento, começara muitas horas antes. O ainda ministro da Presidência chegara de véspera e de comboio convidou a comunicação social do distrito a viajar até Lisboa e, às 19.00, embarcou com os jornalistas em Santa Apolónia no Intercidades para Castelo Branco. O convívio na carruagem tinha como objectivo apresentar contas segundo as quais, "apesar da retórica socialista, foram os governos do PSD que realizaram a esmagadora maioria dos investimentos em infra-estrutura de transportes no distrito". É uma forma de contornar a falta de ligações de Sarmento ao distrito por que concorre..Na carruagem, no final do jantar, havia uma surpresa. O ministro fazia 44 anos e, sabendo disso, os empregados da empresa de catering ofereceram-lhe um bolo de aniversário. Houve apagar de velas, "parabéns a você" e brindes, pelo que a viagem correu animada até Castelo Branco. Lá, chegados ao hotel, nova surpresa Filipa, a mulher de Morais Sarmento, e um punhado de amigos tinham viajado de Lisboa numa carrinha para que o candidato pudesse festejar um bocadinho com eles longe das tarefas partidárias. O êxito da operação só não foi total porque a JSD da cidade também tinha organizado uma pequena festa num bar, o Fashion Café, e Morais Sarmento não quis deixar de lá ir celebrar antes de se recolher?.Na terça-feira, às 09.00, estava já em Tortosendo a visitar as obras do Parkurbis, o nascente parque de ciência e tecnologia da Covilhã. E, um bocado depois, assinava na câmara um "contrato de legislatura com os eleitores" do concelho, no qual os candidatos a deputados do PSD se comprometem a defender na Assembleia da República projectos importantes para a região. Pela câmara assinou o primeiro vereador, porque o presidente, Carlos Pinto, é o número dois da lista social-democrata ao Parlamento e tem o mandato suspenso. E que importante é para Morais Sarmento tê-lo ao lado nas acções de campanha, como se viu logo a seguir nas Minas da Panasqueira..Vestido de fato-macaco laranja e com um capacete com lanterna, pronto a penetrar as entranhas da terra, o ministro não escapa ao comentário certeiro "Tem mesmo ar de mineiro!" Mas lá em baixo, envolvido pelo bafo adocicado e quente do gasóleo das máquinas, começa a alhear-se das explicações dos responsáveis da mina. É Carlos Pinto quem faz as despesas da visita. "Quem é que define a arquitectura [das galerias], são os operários?", interroga, só para fazer conversa. E o encarregado geral: "Não, é o técnico". Carlos Pinto, sem deixar cair a bola no chão: "São vocês, pois claro!".De luvas, camisa aberta e cachecol por fora, o autarca - que foi vice-presidente do PSD no tempo de Cavaco Silva - vai puxando Sarmento, reclamando a sua atenção para as máquinas que remexem aquela lama granulada. E é ele quem continua a representar curiosidade "Aquela parte cinzenta também é?" Não, respondem-lhe, "volfrâmio é só o preto". Mas o cabeça-de-lista distrai-se, tira a lanterna do capacete, inspecciona com ela os tectos húmidos e soturnos. Tem a cabeça noutro lugar..É à superfície, nas visitas às aldeias a sul da Covilhã, que Morais Sarmento se sente mais à vontade. Não disputa a iniciativa ao presidente da câmara, mas adere às conversas de circunstância e aos cumprimentos com boa disposição e sentido de humor. E vai desenhando o seu discurso político, o qual converge inteiro para um ponto Sócrates.."Procurarei demonstrar que o engenheiro Sócrates é um bluff", explica. "É deputado por Castelo Branco há 18 anos e pouco cá aparece eu fui eleito deputado por Santarém e, apesar de estar no Governo, obrigava-me a lá ir reunir- -me com associações locais". Quanto aos meios, será tudo feito com "elevação" e "respeito", assegura. "Será uma campanha limpa, sem golpes baixos." Está dado o mote para o seu discurso de hoje, quando falar no Pavilhão Municipal antes de Santana Lopes e depois de Carlos Pinto e de Fernando Jorge, o presidente da distrital..O dia termina no lar de terceira idade de Tortosendo. Entre apertos de mão aos velhinhos, Sarmento solta-se e espalha simpatia. "Esta gente gosta de nos ver", confidencia-lhe Carlos Pinto..Lembrar o ausente. "Estamos habituados a fazer campanha sem o cabeça-de-lista estar presente foi assim com o Guterres, é agora com o José Sócrates", explica Válter Lemos, presidente do Politécnico de Castelo Branco e quarto candidato da lista do PS. "Apresentamos as nossas 'bandeiras' - o Polis da capital de distrito e da Covilhã, a Linha da Beira Baixa, a auto-estrada, a delegação da RTP, a Faculdade de Medicina -, coisas que as pessoas associam à sua passagem pelo Governo.".Mesmo assim são muito metódicos na preparação da campanha. À meia-noite, na sede da federação, ainda se discute a preparação do comício de hoje. Fernando Serrasqueiro dá instruções para que todas as concelhias digam quantas presenças, com transporte, se responsabilizam. Acerta-se a contabilidade das bandeiras, cachecóis e panamás, porque "não se pode gastar tudo de uma vez". O primeiro orador será o presidente de câmara, Joaquim Mourão, um mobilizador nato. Depois, por ser mulher, falará a deputada Cristina Granada, com responsabilidade de debater as questões locais. Guterres e Sócrates falarão para o País. "O Joaquim Mourão vai contratar três grupos de bombos", informa Fernando Serrasqueiro. "Precisamos de tomar conta do centro da cidade antes do PSD.".Passa-se à campanha nos concelhos e Serrasqueiro é muito enfático. "Primeiro ponto não se responde a boatos! Avisem os motoristas, digam à JS: não se responde às bocas." Marcam-se visitas a lares - "Idosos, idosos!", repete Serrasqueiro, "é preciso dar a maior atenção aos idosos!" -, jantares com "líderes locais de opinião", debates com a juventude. "O que é que eu lá vou dizer?", pergunta o substituto do secretário-geral. Armindo Taborda tranquiliza-o: "Fazes o modelo Sócrates: sentas-te no meio deles, cruzas a perna e dás respostas." A reunião acaba de madrugada. Mas às 09.30 já estão a visitar as obras do Polis. "Ficamos aqui com uma cidade de primeira", murmura, enlevada, Hortense Martins, a primeira suplente da lista. "Está a ver porque é que o Sócrates não precisa de cá estar?", desafia Cristina Granada: "As pessoas associam-no a esta obra."