Faltou "aquela", mas foram tantas que quase nem se deu por isso
Ainda faltava cerca de quinze minutos para o início do concerto, mas cá fora, o recinto do Super Bock Super Rock, no Parques das Nações, em Lisboa, começava a parecer-se mais com um festival fantasma. Que o diga The Legendary Tigerman, que após um poderoso concerto de apresentação do novo disco Misfit, teve de contentar-se em terminar o espetáculo para "meia dúzia" de indefetíveis.
Pelo contrário, no interior do Meo Arena, o cenário era completamente diferente, com cerca de 20 mil almas a acotovelarem-se "o mais lá à frente possível", como gritava uma adolescente para a amiga, enquanto furava pela multidão. A razão era justificada, afinal já há 11 anos que os Red Hot Chili Peppers não vinham a Portugal e longa já se tornava a espera, por uma banda já com mais de três décadas de carreira, mas capaz de se manter atual como já há poucas - bastava olhar à volta para ver a quantidade de fãs abaixo dos 30 e até dos 20, para o perceber.
Foi assim com a expectativa ao máximo que, poucos minutos depois da meia-noite, o grupo californiano subiu finalmente ao palco. Primeiro o baixista Flea, com umas coloridas e largas calças de retalhos, a lembrar um saltimbanco hippie de outros tempos, provocando a primeira explosão do público, que aumentou ainda mais com a entrada do baterista Chad Smith e do guitarrista Josh Klinghoffer, a entreterem o público durante alguns momentos com uma jam-session, até à entrada do vocalista Anthony Kiedis, para arrancar com Can"t Stop, imediatamente cantada por todos a uma só voz.
Tal como aconteceria com quase todas as músicas a partir daí. Seguiram-se Snow (Hey Ho) e Dark Necessities, do mais recente disco The Getaway, editado o ano passado e também elas recebidas como se de êxitos intemporais se tratassem - e porventura sê-lo-ão, um dia. No ativo desde 1983, os Red Hot Chili Peppers são uma verdadeira fábrica de êxitos e por isso mesmo não é fácil satisfazer toda esta gente, de idades e percursos tão diferentes. Quase de certeza que, para todos os presentes, ficou pelo menos a faltar uma daquelas, mas não se pode dizer que a banda não se tenha esforçado.
Quem os conheceu no início dos 90, com o estrondoso sucesso de Blood Sugar Sex Magik, o álbum que mostrou a toda uma geração de rockers e metaleiros que o rock alternativo também podia ser funky, ter swing e até era dançável, decerto apreciou Suck my Kiss. Já os fãs ainda mais antigos, que os acompanham desde os anos 80, não terão deixado de sorrir com alguma condescendência perante o desconhecimento dos mais novos para com Nobody Weird Like Me, trazida do cada vez mais longínquo Mother"s Milk, editado em 1989, quando alguns (muitos) dos presentes ainda nem sequer eram nascidos.
Pelo meio, assistem-se também a muitos exercícios de virtuosismo musical, por entre solos e mais jams, sempre com Flea como ator principal e quase sempre coadjuvado por Josh, o eterno novato, apesar de já levar uma década de banda, que foi também protagonista de um curioso momento, quando, a dada altura, toma conta de um dos microfones para cantar em português o refrão de Foi na Cruz, um tema de Nick Cave.
Quanto a Anthony Kiedis, já sem camisola, como é habitual, desde meio do concerto, despediu-se tal como entrou, em silêncio, mas também não era preciso dizer muito mais, depois de, já no encore, interpretar o clássico Give It Away, "uma daquelas", que todos queriam ouvir.
Ficaram a faltar muitas outras, é certo. "Under the Bridge, Scar Tissue, Around the World", contava alguém pelos dedos, perante o olhar atento dos amigos, já com as luzes acesas.
Fica a promessa do baterista Chad Smith, o último a abandonar o palco, muitos minutos depois dos restantes companheiros: "Vemo-nos em breve, ok?"