Faltam rastreios ao cancro colorretal nos centros de saúde
"Sentia dores abdominais com frequência, quase sempre por volta das cinco, seis da manhã. Julgava que era pedra na vesícula, mas revelou-se um pouco mais grave." Sete meses após os primeiros sintomas, que começaram em março de 2012, José Simões, de 56 anos, recebeu o diagnóstico: "Era cancro do cólon, com 17 metástases no fígado."
Seguiu-se cirurgia ao cólon, ao fígado e quimioterapia. Já em 2014, teve uma metástase pulmonar do lado esquerdo e no ano seguinte do lado direito. Ao todo, quatro cirurgias e 28 sessões de quimioterapia, mantendo a atividade de professor universitário. "Tive muita sorte, porque tive sintomas. Por vezes, estas doenças são silenciosas", afirma. Poucas semanas após o diagnóstico, viu o pai morrer com cancro do cólon. "Foi dramático. Nunca sentiu nada. Morreu aos 72 anos. Nunca tinha feito uma colonoscopia."
A propósito do Dia Mundial da Saúde Digestiva, que se assinala hoje, o oncologista Carlos Sottomayor alerta que "ainda há excessivos casos que são diagnosticados tardiamente e em situação já não curável". E os rastreios feitos através dos centros de saúde são raros, aponta a Europacolon Portugal, associação que apoia doentes com cancro digestivo. As administrações regionais de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve só têm programas de rastreio de base populacional desde 2017, que estão longe de abranger todos os Agrupamentos de Centros de Saúde. A ARS Norte leva apenas um ano de avanço, com projetos-piloto iniciados em dezembro de 2016 em dez Unidades de Saúde Familiar e dois hospitais.
Segundo a avaliação aos rastreios oncológicos nacionais, publicada pela Direção-Geral da Saúde há um ano, a zona centro é a que apresenta trabalho mais desenvolvido nesta área, com projetos no terreno há uma década e que em 2016 chegaram a mais de 17 mil utentes. Mas, ainda assim, metade dos ACES da região estão fora do programa. "Grande parte dos centros de saúde de todo o país não estão a convocar a população para os rastreios nesta área, nem temos uma situação que se aproxime disso. E, mesmo nos projetos-piloto onde há convocatórias, as colonoscopias são feitas acima dos 28 dias", sintetiza Vítor Neves, presidente da Europacolon, que há 12 anos luta pela generalização dos rastreios populacionais ao cancro do cólon e reto. No Alentejo, por exemplo, o programa arrancou em 2011, mas em 2016 foram rastreadas menos de duas mil pessoas.
"Doença sem a atenção devida"
O cancro colorretal é, segundo Carlos Sottomayor, cocoordenador da Unidade de Cancro Colorretal do Instituto CUF de Oncologia, "uma das grandes causas a nível nacional e internacional de mortalidade e morbilidade por patologia oncológica digestiva". Só em Portugal, "morrem cerca de 11 pessoas por dia por adenocarcinoma do cólon e do reto, além dos muitos doentes que necessitam de cirurgia, quimioterapia e radioterapia".
O cancro colorretal mata aproximadamente quatro mil portugueses por ano, sendo a terceira causa de morte por cancro no mundo. Anualmente, surgem cerca de sete mil casos. Segundo Sottomayor, "existem mais de 80 mil pacientes ativos e cerca de 50% da população desconhece os sintomas desta patologia". É uma doença rastreável, frisa, "que pelo método de rastreio que se tenta implementar poderia ser evitável ou pelo menos detetada precocemente e curada com cirurgia sem tantos custos e sem tanta morbilidade". É uma patologia que, segundo os especialistas, não tem tido a atenção que lhe é devida. "Pelo volume de população afetada, pelo impacto em termos de perdas de vida e de qualidade de vida e pelos custos sociais e económicos."
A tendência é, segundo Sottomayor, para aumentar o número de doentes curados, "na medida em que são diagnosticados mais precocemente, pelo efeito ainda incipiente dos programas de rastreio, que ainda têm uma reduzida adesão; já os doentes avançados, continuam a não ser curáveis, embora sobrevivam cada vez mais tempo".
Uma vida com medo
A vida de José não sofreu grandes alterações desde que a luta contra o cancro começou. "Existem as sequelas da quimioterapia. Tenho dores musculares com muita frequência, mas é talvez o único desconforto", diz ao DN, reconhecendo que é um "doente atípico". "Passo meses sem me lembrar que fui doente oncológico. Não tenho medo da morte. Tenho medo de deixar a minha família, isso sim", afirma, frisando que faz exames com regularidade.
Segundo Carlos Sottomayor, médico no Hospital CUF Porto, o maior desafio que estes doentes enfrentam é "viver com uma patologia que pode reaparecer, com recidivas e com necessidade de vigilância habitual e que pode deixar sequelas relacionadas com os tratamentos realizados". É o caso dos doentes "que ficam com ostomia definitiva, ou alterações crónicas dos hábitos intestinais ou neuropatia periférica pela quimioterapia realizada".