Falta um terreno para a semente do hóquei no gelo português florescer
Basta juntar-se um grupo de portugueses apaixonados por hóquei no gelo, uma pista temporária instalada numa cidade alentejana e o precioso contributo da Embaixada da República Checa em Lisboa para se fazer o maior torneio da modalidade alguma vez realizado em Portugal. Mesmo que as equipas participantes sejam amadoras, a representação lusa esteja longe de poder ser chamada de "seleção nacional" e o recinto não chegue a ter as dimensões mínimas exigidas em jogos oficiais, a partir das 12.30 de hoje, o Coliseu Rondão de Almeida, em Elvas, acolhe um evento emblemático. O principal objetivo dos anfitriões "é promover este desporto bem como a ideia da necessidade da construção de uma pista de gelo em Portugal", resume, ao DN, o presidente da Federação Portuguesa de Desportos de Gelo, Maurício Xavier.
A inexistência de uma pista de gelo permanente é o cerne da questão: apesar de existir, em Portugal, um pequeno grupo de entusiastas de hóquei no gelo (modalidade de inspiração norte-americana), com o apoio de uma federação (que não tem o estatuto de utilidade pública), falta um terreno onde essa semente possa florescer e dar frutos. "Lisboa é a única capital da Europa que não tem pista de gelo. Aliás, até em países onde julgamos impossível praticar estes desportos, como Marrocos, as há", aponta Maurício Xavier, também comentador dos jogos da NHL (liga norte-americana de hóquei no gelo) na Sport TV.
Por isso, a luta por um recinto para prática de desportos de gelo tem sido a grande causa da federação. "A sua construção poderia ajudar a desenvolver todas as modalidades desportivas que se realizam em pistas de gelo e às quais os portugueses não têm acesso, como hóquei, patinagem artística e corridas de patins. Além disso, poderia receber outro tipo de eventos, espetáculos musicais ou atividades lúdicas para crianças. Sempre que é instalada uma pista temporária há filas enormes... Não seriam só os maluquinhos do hóquei e da patinagem a ter acesso a ela", argumenta o líder federativo, que já tentou, sem sucesso, que este fosse um dos projetos escolhidos no âmbito do orçamento participativo da Câmara Municipal de Lisboa.
No entanto, sem recinto (apenas com chances de patinar em gelo quando são instaladas pistas temporárias na época natalícia) e com poucos praticantes, o hóquei no gelo apenas vai existindo de forma muito embrionária em Portugal, à conta da paixão das curtas dezenas de jogadores amadores, boa parte com raízes no Canadá ou nos EUA, que por vezes se juntam para treinar (ao ar livre e com patins de rodas), na zona da Doca do Espanhol, em Alcântara (Lisboa). São eles, mais alguns reforços de fora da capital, que hoje e amanhã estarão juntos para representar uma versão não oficial de seleção nacional de hóquei no gelo, no torneio que decorre em Elvas.
Uma espécie de seleção nacional
"Chamar seleção nacional à nossa equipa não é justo nem para nós nem para o que será um dia uma seleção. Neste momento são os jogadores que aparecem para jogar, e são os melhores que temos. Mas tenho a certeza de que quando tivermos uma seleção será muito melhor do que a que vai aparecer em Elvas", diz Maurício Xavier. No entanto, de esfera armilar e escudo português estampados na camisola, serão eles a defender o nome de Portugal em Elvas.
No torneio, que decorre hoje e amanhã no Coliseu Rondão de Almeida (com três jogos por dia, entre as 12.30 e as 15.30 e entrada gratuita), a "seleção nacional" terá pela frente um clube da II divisão francesa, Evry-Viry Jets, e duas equipas de amadores da República Checa, CEští lvi (Leões Checos) e Sklepovsti Srsani. Estas duas chegam a Elvas pela mão da Embaixada da República Checa em Lisboa, que ajudou a germinar a semente do hóquei no gelo português, através de vários intercâmbios, e também colabora na organização deste torneio.
"O embaixador checo [Stanislau Kázecký] foi a faísca que tornou tudo isto possível", assume o presidente da Federação Portuguesa de Desportos no Gelo. O primeiro encontro internacional da "seleção nacional" foi há dois anos, em Elvas, diante dos Leões Checos, equipa do embaixador e dos amigos. E, no ano passado, os portugueses tiveram a primeira experiência além-fronteiras, defrontando em Praga as duas equipas que agora visitam Elvas. Tudo foi vivido com emoção ("tivemos a felicidade de jogar numa pista com as dimensões oficiais") e um espírito de grande camaradagem. "Além da componente desportiva, há sempre muito convívio entre os jogadores no hóquei no gelo", explica Maurício Xavier, afastando a imagem violenta de uma modalidade onde há muitos choques em campo.
Quanto ao torneio de Elvas, acabou por "ultrapassar as expectativas iniciais", com a vinda da equipa francesa. "Nós queríamos ter uma equipa de Marrocos ou de um daqueles países onde se pensa ser impossível praticar este desporto, para mostrar que não é assim tão exótica a nossa ideia da construção de uma pista de gelo. Através do selecionador da Argélia, que trabalha nesta equipa francesa, acabaram por vir eles", explica o líder federativo. De qualquer forma, a mensagem será partilhada com quem aparecer em Elvas. Além disso, Maurício só quer mesmo "é que toda a gente se divirta e aproveite o tempo no gelo".