As discrepâncias nas avaliações dos danos corporais em vítimas de acidentes de viação e trabalho, feitas por médicos não especialistas, levam a que os sinistrados não recebam as indemnizações devidas. Não raras vezes, os acidentados são, simultaneamente, "vítimas dos acidentes e dos peritos", adverte Duarte Nuno Vieira, presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML)..O "frequente desrespeito do princípio da reparação íntegra dos danos na avaliação pericial e o facto de muitos dos médicos que exercem a actividade pericial não terem preparação específica que lhes confira tal competência" explica, em boa medida, o problema..Na origem da situação está, porém, algo mais simples o INML tem poucos especialistas. "O nosso quadro médico só está preenchido em cerca de 11 por cento", o que obriga a instituição a recorrer a contratos de avença com médicos de outras especialidades, que ali trabalham a tempo parcial. .O quadro clínico prevê 245 lugares para médicos especialistas, mas apenas 28 estão preenchidos. Para assegurar o movimento pericial estão celebrados contratos de avença com 270 médicos de outras especialidades. O quadro do INML só tem, aliás, cerca de 23 por cento do total de funcionários. .Aumentar o número de especialistas do quadro do organismo é, pois, fundamental para, entre outras coisas, pôr cobro a "deficiências substanciais na avaliação e reparação das vítimas de acidentes", diz ainda, ao DN, Duarte Nuno..José Pinto da Costa é mais radical. Qualquer clínico, perito ou não, que proceda a uma avaliação do dano corporal "tem sempre dificuldades", sustenta o médico legista, "porque este tipo de avaliação, ao pretender ser abrangente, necessita, frequentemente, do contributo de várias especialidades, que um único profissional pode não conseguir, sozinho, colmatar". .Para assegurar que todas as peritagens neste âmbito (para seguradoras, tribunais e privados) só possam ser concretizadas por peritos, Duarte Nuno Vieira solicitou, no ano passado, a criação de uma "competência" - tipo de saber transversal a várias especialidades - em avaliação do dano corporal no seio da Ordem dos Médicos. É que "alguns médicos desconhecem por completo as metodologias e especificidades da peritagem de avaliação do dano corporal", justifica o professor catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra. .Pedro Nunes, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), reconhece, ao DN, ser necessário melhorar a qualidade pericial nesta área "É uma situação que tem de ser corrigida, mas não podemos fazer da carência um drama." A criação da competência já foi aprovada pela OM, mas o processo de admissão por consenso (escolha dos médicos) só deverá estar concluído no final do ano. Só então será criado um programa de formação..Foi, entretanto, constituída uma comissão para estabelecer os critérios de admissão, sendo que uma pós-graduação em avaliação do dano corporal não é condição para atribuir competência. "Não podemos simplesmente dizer às pessoas que fazem peritagem que vão deixar de o fazer. Não podemos dizer que tudo o que já existe está mal", considera o bastonário, sublinhando que a OM "olha com muita atenção" para a experiência..A criação de uma competência não resolverá o problema, reage Pinto da Costa. A melhor solução, contrapõe, seria descentralizar, "introduzir a avaliação do dano corporal no Serviço Nacional de Saúde, designadamente nos centros de saúde, hospitais e clínicas médicas privadas, obviamente controladas tecnicamente pelo Ministério da Saúde e disciplinarmente pela Ordem". A centralização no INML desta tarefa representa, para Pinto da Costa, "a abolição da possibilidade do contraditório médico-legal"..Até que seja encontrada uma solução, qualquer médico, solicitado para tal, pode fazer avaliação do dano corporal. Mesmo que se limite, muitas vezes, a atribuir uma taxa de incapacidade às vítimas, negligenciando os danos não patrimoniais, que, de acordo com o princípio da reparação íntegra dos danos que vigora em Portugal e na União Europeia, devem ser avaliados. O que, reitera Duarte Nuno, "leva a que a vítima não receba, na maior parte das vezes, a indemnização justa e que não seja compensada pelos prejuízos sofridos".