Falsificações e mortos. Novo partido de Bolsonaro só tem 3% de assinaturas em 9 meses
Em novembro de 2019, um hotel de luxo em Brasília recebia 500 convidados, alguns vestidos a rigor com t-shirts em homenagem ao torturador Brilhante Ustra, para o anúncio da criação da Aliança Pelo Brasil, partido fundado em torno da figura de Jair Bolsonaro, recém desvinculado do Partido Social Liberal (PSL), pelo qual se elegera presidente da República cerca de um ano antes.
No meio de muita euforia e comoção, um apoiante ofereceu uma obra de arte em que o símbolo do partido surgia desenhado em cartuchos, logo depois do próprio Bolsonaro contar que o número da sigla nos boletins de votos seria o 38, em alusão ao calibre do revólver. Vice-presidentes anunciaram então o primeiro objetivo do Aliança: recolher as 492 mil assinaturas necessárias para a formalização do partido até abril de 2020 e assim poder concorrer já às municipais do fim deste ano.
Nove meses depois, a euforia e a comoção deram lugar à apreensão: mesmo com uma estrutura profissional de apoio e a ajuda de líderes evangélicos na obtenção de filiações durante os cultos, o Aliança soma meras 15.762 assinaturas, cerca de 3,2% das necessárias, e o presidente da República já admitiu a apoiantes, numa breve saída do confinamento a que está submetido por ser portador de covid-19, estar a pensar num "plano B" para as presidenciais de 2022.
Na verdade, os dirigentes do Aliança apresentaram mais do dobro das 15.762 assinaturas aceites pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas as restantes foram sendo rejeitadas, uma a uma, em virtude de 26 irregularidades diferentes - entre as quais, o tribunal encontrou, além de 941 assinaturas falsas, 44 filiações de eleitores falecidos. Há neste momento mais 100 mil documentos em fase de análise.
"Nós tínhamos informações de três casos de mortos. Fomos apurar e o primeiro eleitor que localizamos tinha morrido já depois de assinar. Ou seja, não se pode invalidar um documento que a pessoa assinou ainda em vida. De todo o modo, não fomos intimados pelo TSE para fazer um pronunciamento sobre cada um desses casos", disse o empresário Luís Felipe Belmonte, um dos vice-presidentes do Aliança.
Belmonte, cuja fortuna declarada ultrapassa os 66 milhões de reais, foi um dos alvos de recente operação de busca e apreensão da polícia federal realizada no âmbito do inquérito que apura a realização de atos antidemocráticos e a favor ditadura militar.
Como a irregularidade mais comum, com 18.112 assinaturas rejeitadas, tem sido a de signatários já filiados a outros partidos, para Admar Gonzaga, que é secretário-geral do Aliança e foi juiz do TSE, "o mais provável é que esteja ocorrendo o mesmo que já foi visto na constituição de outros partidos, ou seja, gente de má-fé infiltrada para gerar notícias desabonadoras".
Com cerca já de 30 partidos com assento no Congresso Nacional, os critérios para a criação de uma nova força política no Brasil vêm endurecendo: Marina Silva, por exemplo, não conseguiu formar o seu Rede Sustentabilidade a tempo de concorrer às eleições de 2014; acabaria por ser candidata à presidência nas eleições ganhas por Dilma Rousseff apenas em virtude da morte de Eduardo Campos, de quem era vice-presidente, em acidente de avião durante a campanha.
Partidos como o Partido Popular da Liberdade de Expressão Afro-Brasileira, o Partido de Representação da Vontade Popular, o Partido Militar Brasileiro ou o Partido Nacional Corinthiano, em homenagem ao clube de futebol, aguardam há uma década luz verde do TSE.
A situação do Aliança levou a um desabafo de Bolsonaro aos seus apoiantes, perplexos com o atraso do partido, no domingo, dia 19. "Estamos nos preparando para 2022. Tudo tranquilo, vai sair o partido. Podem acreditar na democracia, nós vamos mudar o Brasil com as armas da democracia. Mas é lógico que temos uma alternativa caso algo dê errado, será porém bem diferente da de 2018", disse Bolsonaro a dezenas de acólitos aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada.
Em 2018, Bolsonaro concorreu pelo PSL, do qual se desvincularia em outubro. A cisão ocorreu logo após um comentário de Bolsonaro sobre Luciano Bivar, o presidente do partido, a um apoiante à porta do Alvorada. "Ele está queimado", disse o presidente da República, despertando a ira de Bivar.
Na base da briga, estavam escândalos de corrupção na campanha - como a promoção, com o fundo público eleitoral, de candidaturas femininas falsas - e a desordem do seu grupo parlamentar. Apoiantes conhecidos de Bolsonaro, como a ex-jornalista Joice Hasselmann ou o ex-polícia Major Olímpio e Delegado Waldir, por exemplo, optaram por continuar no PSL e passarem a criticar o presidente.
O Aliança é o nono partido da carreira de Bolsonaro, depois de PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e o citado PSL.
Além do citado Belmonte, o outro vice-presidente do novo partido será o senador Flavio Bolsonaro, primogénito do presidente envolvido em caso de corrupção milionária por desvio de salário de assessores enquanto vereador do Rio de Janeiro. Jair Renan Bolsonaro, quarto filho de Jair, vai estrear-se na atividade política como vogal do Aliança.