Faites vos jeux, rien ne va plus!
Imagine este aviso à porta de uma tabacaria: "Proibida a entrada a fumadores". Ou, por exemplo, à porta de uma garrafeira: "Proibida a entrada a alcoólicos". Antes que o leitor desista de ler esta crónica sobre a jurisprudência dos tribunais, vamos já atalhar caminho: um jogador compulsivo, segundo a lei, pode ser impedido de entrar num casino. Até aqui tudo bem. Porém, de acordo com a jurisprudência, caso volte a frequentar o templo do jogo a empresa proprietária pode ser responsabilizada. Numa lógica de jogo, não ganha na roleta, ganha no tribunal.
Um dos primeiros casos que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (1840/05TBESP) dizia respeito a um jogador que, consciente do seu incontrolável vício, pediu junto da Inspeção de Jogos a sua própria interdição de frequentar o Casino de Espinho. Aprovada e comunicada à empresa proprietária da sala de jogos, certo é que um mês depois, segundo o próprio, "não conse-guindo resistir à tentação" voltou ao casino, voltando a jogar na roleta, derretendo entre 500 a oito mil euros/dia.
Ainda por cima, e apesar de ter na sua posse a ordem de interdição, a empresa proprietária do casino convidava-o frequentemente para eventos sociais. Não para jogar, mas era só um copo. O problema é que uma coisa pode puxar a outra, mas mesmo assim o Casino de Espinho defendeu-se, rejeitando que o sujeito era pessoa conhecida da casa e dos funcionários. Porque, "na maioria dos casos", o que existe é um mero conhecimento superficial, "de vista" ou "simplesmente por via de um nome, apelido ou simples alcunha". Dados insuficientes para se estabelecer, segundo o casino, "qualquer identificação completa", como fulano, filho de e de, nascido a, residente em...Vistas bem as coisas, faz sentido: um tipo num casino não é conhecido pelo cartão de cidadão, mas sim pelo cartão de crédito.
Certo é que sopesados os argumentos de ambas as partes, a primeira instância fez as contas e condenou o Casino de Espinho a pagar 85 mil euros ao jogador compulsivo. Uma decisão confirmada pela Relação do Porto e, em 2012, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que assim deu um jackpot ao homem, sem necessidade de passar pela sala de jogo.
A casa (novamente o Casino de Espinho) teve mais sorte em outro processo, o 948/09.7TVPRT. Uma vez mais estava em causa um pedido de autointerdição para frequentar o espaço feito por um jogador compulsivo. Aprovada a medida e comunicada ao casino, o rapaz lá voltou ao local do crime. Na primeira vez, foi barrado, mas à segunda conseguiu entrar nas salas mistas e sala de máquinas automáticas. No espaço de dois meses - entre junho e julho de 2007 - perdeu 143 mil euros.
Desta vez a Relação do Porto, em vez de atribuir 100% da culpa à concessionária, resolveu-se por uma repartição: responsabilizou o casino por 60%, sendo os restantes 40% para o homem, decidindo por uma indemnização de 85 mil euros. Verba confirmada em 2013 pelo Supremo Tribunal de Justiça. No acórdão, os conselheiros Maria dos Prazeres Beleza, Salazar Casanova e Lopes do Rego sublinharam que o homem, por sua iniciativa, também contribuiu para os prejuízos ao "aceder e permanecer nas salas de jogo".
Talvez pelo facto de padecer da compulsividade para jogo, mas os juízes não terão entendido bem esta parte. Pelo que se sabe, no Supremo Tribunal nem se joga à sueca.
Em dezembro de 2015, o Casino do Estoril também foi condenado a pagar um jackpot de 80 mil euros a um jogador compulsivo que, após uma ordem de interdição, continuou a frequentar o espaço e a fazer as maravilhas da caixa registadora. Tal como o "companheiro" do Norte, o homem alegou que, já depois de ter pedido a interdição e esta ter sido aprovada, os funcionários do Casino do Estoril "permitiram a sua entrada e que continuasse a jogar, aliciando-o com bebidas, comidas e jantares grátis, além de espetáculos, os quais lhe eram oferecidos a si e a quem o acompanhava". Era assim: passe por cá, beba, coma qualquer coisa, mas não abuse da sorte.
Certo é que o problema de um jogador compulsivo é mesmo esse: abusar da sorte e o homem do Estoril chegou a gastar quatro mil euros por dia nesse abuso. "Pelo menos 90% do dinheiro que o autor levantava perdia-o no jogo", alegou.
A coisa corria mesmo mal. O Casino do Estoril, tal como já tinha feito o de Espinho, alegou que não conseguia controlar toda a gente que vai investir na sorte.
O que fazer? Desta vez, os conselheiros Ana Paula Boularot, Pinto de Almeida e Júlio Vieira Gomes também repartiram as culpas: 60% para a empresa, 40% para o jogador. É que se a primeira tinha a obrigação de monitorizar a sua entrada - e proibi-la - no espaço, o homem também tinha o "dever de se procurar controlar, recorrendo quiçá a ajuda psicológica".
Alguém alinha num "sobe e desce" a 20 cêntimos o ponto?