Fado com alma brasileira
Vivian Lima é uma amaliana incondicional e isso percebe-se assim que começa a cantar. Canta um fado sem ritmo de samba mas com o sotaque do Brasil. Nascida e criada em Belo Horizonte, veio para Portugal há quatro anos. Cantar é um talento que começou a explorar recentemente, mas o gosto pelo fado, ouvi-lo na voz única e inconfundível de Amália Rodrigues, foi uma descoberta ainda de criança. «Eu cresci a ouvir Amália. O meu pai só ouvia o fado dela. Só tinha um disco lá em casa, não me lembro do nome, mas sei que tinha aquela música "Nem às paredes confesso". Gostava tanto, tanto dela que a minha mãe ficava ciumenta. Acho até que a minha mãe não liga nada a fado por causa disso.»
De tanto ouvir Amália, Vivian tomou-lhe o jeito e começou, pequenina, a trautear as letras de Ary dos Santos e de Alexandre O'Neill musicadas por Alain Oulman, nomes que também figuram no CD Brasileira do Fado que acaba de lançar. Este primeiro trabalho de Vivian tem 11 temas, entre os quais Gaivota, escrita por O"Neill, e Meu Amor, Meu Amor, de José Carlos Ary dos Santos.
No hiato de tempo que vai dos 4 anos, idade com que começou a ouvir Amália em casa dos pais, aos 23, quando edita o seu primeiro trabalho, o fado foi-se entranhando aos poucos. Primeiro «na pele», depois «no sangue», e mais tarde «na alma», sobretudo depois da viagem a Lisboa, aos 14 anos, num período de férias escolares. Não houve casa de fado em Alfama e na Mouraria em que não tivesse entrado. A que lhe provocou maior impacte foi a Parreirinha de Alfama, numa noite em que cantavam Argentina Santos, proprietária do estabelecimento, Lina Maria e Tina Santos. «Ouvi-as, uma à seguir às outras, e fiquei arrepiada. As lágrimas vieram-me aos olhos. Foi uma emoção tão grande que não consigo traduzir o que senti por palavras. Identifiquei-me logo com o fado cantado por aquelas maravilhosas mulheres, sobretudo o de dona Argentina, mais doce e melodioso, mais gostoso», diz Vivian.
Regressou ao Brasil agarrada a essa memória. Foi então que decidiu levar o fado mais a sério, sem, no entanto, pensar nele como uma profissão. «Não podia, era muito nova ainda. Tinha de me dedicar aos estudos. Em todo o caso, a par da escola, eu estudava também canto e música lírica. Então, quando cantava fado em festas particulares e em casa, comecei a cantar com mais responsabilidade e respeito pelo passado de um género musical associado a este país maravilhoso que me acolheu tão bem.» A ligação precoce de Vivian à música não se deve só à «fixação» do pai por Amália e ao disco que punha a rodar repetidamente. O avô era maestro e também foi uma influência importante. Mas quem teve um papel determinante para Vivian seguir o percurso que a levou à gravação de um álbum de fado foi o marido e agente, Carlos Batista, um «profundo conhecedor de fado e apreciador aficionado dos chamados fadistas puros». Foi ele, de resto, que a levou a ouvir o fado na Mouraria e em Alfama. Carlos é mais velho e na altura desse périplo pelas casas de fado, há dez anos, Vivian era para ele «apenas a filha do seu amigo». A paixão pelo fado passou para a vida e, não obstante a diferença de idades, os dois casaram-se um ano depois de ela atingir a maioridade.
O casal está em Portugal há quatro anos e desde então Vivian surpreendeu muitos clientes de casas de fado lisboetas: «Ninguém está à espera de ouvir uma brasileira cantar fado e quando ouvem, e gostam, voltam para ouvir de novo. Para mim é a maior prova de que devo ter algum talento.» Esse talento havia já sido aplaudido e premiado há dois anos no concurso Amigos do Fado de Tomar. Ficou em primeiro lugar. «A Luísa Moutinho, mãe do Camané e do Hélder Moutinho, fazia parte do júri e fez questão de me dar os parabéns. Disse-me assim: "Você arrancou as nossas entranhas."»
Vivian não pensa voltar ao Brasil tão cedo, pelo menos enquanto a sua carreira não estiver consolidada. Depois, sim, quer levar o fado tradicional aos brasileiros. A ideia é abrir uma casa de espetáculos, com atuações de diversos artistas convidados e fadistas portugueses. «Tem-se muito o preconceito de que o povão não gosta de fado, que só gosta de samba. Eu quero mudar isso.»
Vivian não gravou Brasileira do Fado com nenhuma editora. É uma edição de autor, somente com mil exemplares, apenas com o objetivo de se dar a conhecer ao público. O próximo álbum, promete, sairá em breve e terá originais, escritos e compostos por ela própria.
[15-09-2013]