Fabricando o empregado

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A forma como os gestores entendem as pessoas ou, mais filosoficamente, a natureza humana, influencia o modo como estruturam o trabalho e como gerem. Uma das mais célebres descrições da forma como os seres hu-manos são entendidos nas orga- nizações foi proporcionada por Frederick W. Taylor no seu histórico livro de 1911, The Principles of Scientific Management. A passagem é famosa e refere-se à apresentação de Schmidt, um "Pennsylvania Dutchman", Henry Knolle de seu verdadeiro nome. Na verdade, Schmidt seria provavelmente um americano descendente de alemães (sendo Dutch uma corruptela de Deutsche). Na famosa passagem, o Dutchman mantém o sotaque estrangeiro. O breve trecho, que merece ser lido na íntegra, começa de forma inesquecível:

"Schmidt, are you a high-priced man?

Vell, I don't know vat you mean.

Oh, come now, answer my questions."

O verdadeiro Schmidt e os milhões de Schmidts que trabalham nas organizações com os mais diversos nomes, são tratados de uma forma paternalista e infantilizante. No caso do Schmidt original, a imagem que Taylor pretende transmitir é que qualquer bruto apatetado é capaz de produzir bons resultados desde que o sistema organizacional esteja bem desenhado. A inteligência dos designers organizacionais, por outras palavras, tornaria dispensável a inteligência dos demais trabalhadores. Como se sabe da psicologia, se as pessoas são infantilizadas, comportar-se-ão de modo infantil.

A organização científica do trabalho, na senda de correntes anteriores, criou uma nova classe de trabalhadores, os "empregados". A palavra "empregado" vem do francês employée e expressa uma história de um século. O empregado é uma criação da era industrial e de uma série de inovações de gestão que resultaram na emergência de um novo tipo de especialista: o especialista em obediência.

A história da criação do empregado é relatada por Roy Jacques no livro Manufacturing the Employee. Ele mostra como as organizações criaram há cerca de um século um novo tipo que tão bem as serviu durante tanto tempo: o empregado fiel e leal, premiado pela obediência mais que pela capacidade pensante. Quando o trabalho se torna intensivo em conhecimento, as forças do employée tornam-se fraquezas e a sua obediência passa a valer pouco.

A história da gestão de empresas é pois, também, a história da fabricação de tipos comportamentais, tal como reflectido na mudança das designações sofrida pela área responsável pelo tratamento da "maquinaria humana": gestão de pessoal, gestão de recursos humanos, gestão de pessoas, Employee Care. As próprias pessoas foram recebendo diversos nomes, incluindo recursos humanos, colaboradores ou membros. Porque os nomes contam, a discussão não é irrelevante: cada nome conta uma história e a história dos nomes reflecte aquilo que as organizações pensam sobre quem nelas trabalha. Embora não deixe de ser verdade que, mesmo algumas organizações que apregoam serem os trabalhadores o seu maior activo, os fazem gerir por um Departamento dos Schmidts com outro nome qualquer.

Para desenvolver o assunto:

Jacques, R. (1996). Manufacturing the Employee. Londres: Sage.

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