Exposição revela arte do 'atlântico negro'
A arte negra não se reduz ao artesanato, mas os artistas africanos e afro-brasileiros contemporâneos não têm tido suficiente visibilidade para acabar com esse cliché. Para colmatar esta falha, o Instituto Camões desenvolveu a exposição "Réplica e Rebeldia", composta por 80 obras de 30 artistas lusófonos de Angola, Brasil, Cabo Verde e Moçambique, patente, até 7 de Janeiro, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
"Os europeus têm grande dificuldade em entender que existe uma criatividade contemporânea nestes países", afirmou ao DN o comissário da exposição inaugurada terça-feira à noite, António Pinto Ribeiro, referindo o "etnocentrismo" e a "redução" de que ainda é alvo, por exemplo, a chamada arte africana. "Não existe uma arte africana, existem várias."
Para muitos destes artistas do "atlântico negro" de expressão portuguesa é também difícil entrar no mercado e nos circuitos das galerias de arte e das exposições. E não é só em África. "No Brasil domina o eixo Rio-São Paulo. Quem está dentro do circuito tem todas as condições, quem não está tem enormes dificuldades em entrar", afirmou Pinto Ribeiro.
A exposição chega ao Rio de Janeiro depois de passar por Maputo, Luanda e Salvador da Baía, devendo depois seguir para Brasília e São Paulo antes de ir a Cabo Verde, Alemanha e, finalmente, Portugal. Dividida em cinco núcleos, mostra desde as obras consideradas fundadoras da história da arte dos países representados até ao "prazer contemporâneo". Desde os desenhos a tinta- -da-china do angolano Viteix (Victor Teixeira), com símbolos da cultura africana, até à instalação com guarda-chuvas, lenços coloridos e frutas tropicais do brasileiro Marepe (Marcos Reis Peixoto), intitulada Mariinha. Pelo meio, há ainda fotografias, vídeos, pinturas, esculturas e outros objectos.
O nome da exposição, "Réplica e Rebeldia", é a tradução do processo pelo qual a arte negra passou. Se durante os tempos coloniais, os artistas eram obrigados a reproduzir as técnicas dos mestres europeus, houve depois independência artística com o início da utilização de novos materiais, o abstraccionismo, a fotografia.
"Existe agora a possibilidade de os artistas se debruçarem sobre as suas próprias culturas, para não ficarem debruçados a ver o que a Europa faz", disse ao DN o brasileiro Ronaldo Rêgo, o único artista representado na exposição que não é negro. "Nós também somos capazes de falar uma linguagem contemporânea e é isso que estamos a ver." O carioca retira a inspiração das religiões afro-brasileiras, ligadas ao candomblé.
A identidade religiosa e popular é um tema muito comum também nos artistas afro-brasileiros. "Nos africanos a questão religiosa não está presente de uma forma tão óbvia, havendo um ênfase nas questões sociais, políticas, fruto da sua história recente", referiu Pinto Ribeiro. Exemplo disso é a instalação vídeo do moçambicano Gemuce, crítico da política do "deixa andar" no seu país. Manequins femininos são colocados frente a um ecrã de chapas de lata, material de construção dos bairros pobres, onde são projectadas imagens de pessoas a andar.
É a própria discussão sobre a arte e o seu valor que está presente nas obras do brasileiro Sidney Amaral. "O que dá valor? Será o material que é nobre ou é o próprio olhar", questiona. Uma das suas obras, em bronze polido, mostra um recanto de uma casa de banho com uma toalha pendurada, também ela própria trabalhada para ficar dourada.
*O DN viajou a convite do Instituto Camões