Exportações acima dos 50% do PIB mostram economia mais competitiva

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Nos primeiros nove meses de 2022 as exportações portuguesas cresceram 39% face a igual período do ano anterior. Até setembro, Portugal exportou praticamente o mesmo que em todo o 2021. A manter-se este crescimento até ao fim do ano, significa um salto de quase 30 mil milhões nas exportações em um ano. Um facto inédito e também um facto que não se destacou até agora nas notícias. Será que demonstra que Portugal se tornou um país mais competitivo? É apenas um ano muito bom ou uma tendência?

No segundo trimestre, pela primeira vez as exportações superaram 50% do PIB. No terceiro atingiram 51,8%, 10 pontos percentuais acima de há sete anos. Para o conjunto do ano devem atingir um valor próximo ou ligeiramente acima de 50% - uma meta que em 2018 foi apontada para 2025, objetivo que muitos então consideraram demasiado otimista.

O que explica este crescimento?

Parte pode ser explicado por fatores conjunturais, como a recuperação da crise pandémica ou o aumento do preço de alguns produtos. Estes aspetos dão um contributo, mas apenas conseguem explicar parte do crescimento e não a aceleração das exportações que verificou antes da crise covid.

No terceiro trimestre de 2022 as exportações de bens ficaram quase 40% acima de 2019, isto já não corresponde a recuperação da pandemia, mas a ganhos de quota de mercado. No turismo ainda havia espaço para recuperação, mas o que está a acontecer ultrapassa isso. As receitas estão 14% acima dos valores de 2019, ano de recordes nas receitas e visitantes. Noutros serviços, como a informática, as exportações de 2022 poderão ser mais do dobro das de 2019.

O aumento dos preços também explica parte do crescimento. Mas mesmo retirando produtos energéticos as exportações continuam a crescer mais de 30%. A subida em volume foi de 23%, da primeira metade de 2022, o que a manter-se faria deste ano o de maior crescimento real das exportações desde os anos 80. A subida de preços está a marcar mais o aumento das importações (com mais peso de energia e cereais) do que o das exportações. O crescimento também está a ser mais forte do que o da União Europeia. Nos valores até agosto, as exportações portuguesas de bens sobem quase o dobro das alemãs e mais que as de França, Espanha, Itália e Polónia.

Em 17 anos, o peso das exportações deu um salto de 23 pontos percentuais (27% a 50% do PIB). Em nenhum período anterior o setor exportador ganhou tanto. Mesmo nos anos 80, com a entrada na CEE, o peso das exportações no PIB cresceu apenas 10 pontos (para 30% do PIB). E a este crescimento seguiu-se um período de estagnação. Entre 1990 e 2005, as exportações caíram de 30% a 27%, com tendência abaixo do ritmo de crescimento das exportações mundiais, com perdas sucessivas de quota no comércio mundial.

Desde 2005 a situação inverteu-se. E nos últimos sete anos acelerou, em contraciclo com a evolução mundial de retração da globalização que se verificava antes da crise pandémica. De 2015 a 2019, a captação de investimento estrangeiro e as exportações de bens e de serviços subiram a um ritmo superior à média mundial. E 2021 e 2022 retomaram essa tendência.

Estes dados significam um reforço de competitividade da economia? Que setores se destacam?
60% do aumento nos últimos sete anos foi puxado pelo crescimento das exportações de bens. Nestes destacou-se o aumento do grupo de produtos químicos e farmacêuticos, que até fim de 2022 deve atingir um valor 80% acima de 2015. Destacaram-se também setor alimentar, produtos metálicos, automóvel e aeronáutica, que entre 2015 e 2022 subiram mais de 60%. E ainda as máquinas, madeiras, cortiça e papel com aumentos entre 40% e 60%, nestes sete anos.

Este crescimento precedeu a pandemia, estando em alguns casos muito ligado a mais investimento estrangeiro. Entre 2015 e 2019, as exportações automóveis aumentaram de 5,7 para 9,8 mil milhões, um salto acima de 4 mil milhões, apenas comparável ao aumento de 2,5 mil milhões das exportações no setor nos anos 90, com o arranque da Autoeuropa.

Ao mesmo tempo, setores tradicionais, como vestuário e calçado registaram baixo crescimento, devendo no conjunto, em 2022, exportar 5% a 10% mais do que em 2015. Muito afetados pela pandemia, estão a registar bom crescimento, mas ainda a recuperar.

Nos serviços destaca-se o Turismo, cujas exportações duplicaram em sete anos. O setor representou 20% do crescimento das exportações. Os restantes serviços deram um contributo quase tão importante. Destacam-se os serviços de transporte, que subiram 65%, e informáticos, +250% em sete anos. O aumento superior a 3 mil milhões de euros das exportações de informática corresponde ao acréscimo duma Autoeuropa.

Os setores em que as exportações cresceram mais são muito diferentes dos da última década de forte crescimento (1980-1990). Nesse tempo, a subida centrou-se em setores intensivos em mão-de-obra pouco qualificada, em que Portugal era muito competitivo num mercado europeu ainda protegido por tarifas, mas estava já a ter problemas de competitividade nos mercados globais, com a concorrência da China e dos países asiáticos. Nos últimos 17 anos, o mercado europeu não se abriu mais a Portugal, abriu-se mais aos nossos concorrentes, do Leste da Europa e da Ásia. Mesmo assim, o país conseguiu exportar mais e ganhar quota num mercado com mais abertura e concorrência.

A evolução pós pandemia revelou forte resiliência e capacidade de recuperação do setor exportador. Um sinal importante numa conjuntura de incerteza e abrandamento dos nossos principais mercados. A análise dos últimos sete ou 17 anos mostra que as exportações cresceram acima da média mundial num conjunto diversificado de setores e ganharam peso no PIB de forma continuada - não acontecia desde a entrada na CEE.

Os ganhos de quota mostram que as empresas portuguesas estão mais competitivas, resultado do esforço de investimento e internacionalização dos empresários, mas também das políticas de melhoria das qualificações, reforço de incentivos à inovação, à captação de investimento e apoio às empresas nos mercados externos.

O reforço da capacidade exportadora é um claro indicador da melhoria da competitividade. É também a melhor garantia de que o país pode melhorar o rendimento de forma sustentada.

Aumento do rendimento gera importações. Só com mais capacidade exportadora podemos crescer em consumo, investimento e gastos públicos, sem voltar a um desequilíbrio externo persistente, como o que marcou os anos 90 e a primeira década deste século. Na resposta à atual crise, que aumentou muito o custo das importações, o reforço da capacidade exportadora pode permitir resistir com um défice externo controlado, sem necessidade de medidas de contração da procura, mesmo não evitando uma inevitável desaceleração.


Professor da Universidade do Minho. Ex-ministro da Economia.

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