Explicar a guerra às crianças… outra vez…
Escrevi sobre este mesmo tema em fevereiro de 2022, a propósito do conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia. Cerca de ano e meio depois, o mesmo título e o mesmo texto mantêm-se totalmente adequados à realidade atual, mudando apenas os países em causa.
Novamente, as crianças são bombardeadas a toda a hora com notícias sobre o que sucede no Médio Oriente, questionando-se se, afinal, as escolas e os hospitais serão locais seguros. Ouvem falar em crimes de guerra e perguntam: "Mas não é a guerra, em si mesma, um crime?" Percebem comentários que salientam que até a guerra tem regras e, perante isto, perguntam-se: "Mas como é possível que existam regras para regular algo que nem deveria existir?"
São perguntas legítimas por parte de quem não compreende o que se passa. Por parte de quem ouve os adultos dizerem que devem portar-se bem e resolver os problemas a bem e, ao mesmo tempo, são esses mesmos adultos que se envolvem em conflitos armados e tentam resolver as divergências recorrendo à violência.
Penso que transmitimos às nossas crianças mensagens paradoxais e contraditórias e corremos sérios riscos com os modelos aos quais as estamos a expor.
No artigo do ano passado escrevi, esperançosa: "Aproveitemos a guerra para educar para a não-violência, ajudando as crianças a interiorizar a ideia de que os conflitos podem ser resolvidos pacificamente e que, apenas dessa forma, poderemos todos transformar uma crise numa oportunidade de aprendizagem e crescimento."
Mas será que o estamos a conseguir fazer?
Uma investigação recente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, concluiu que 68% dos adolescentes portugueses, entre os 12 e os 18 anos de idade, foram vítimas de comportamentos agressivos em contexto escolar. Predominam comportamentos de violência psicológica e física, bem como comportamentos associados ao cyberbullying. 35% dos adolescentes sofreram ainda comportamentos mais graves, como ameaças com objetos ou armas e lesões corporais graves. Este estudo permitiu ainda concluir que 64% dos jovens assumiram ter praticado algum ato violento para com um colega da escola.
Falamos, assim, das guerras e das mensagens positivas que, sem sucesso, tentamos transmitir às crianças e jovens. E falamos também desta violência, perpetrada e sofrida por eles, num contexto que, em abstrato, deveria ser seguro.
Estão as nossas crianças e jovens a conseguir interiorizar a ideia de que é possível resolver divergências e problemas de forma não-agressiva, sabendo transformar as crises em oportunidades de mudança e crescimento? O estudo atrás referido parece indiciar que não é bem assim.
Por isso, novamente sublinhamos a importância de filtrar estas notícias sobre as guerras com os mais novos, limitando a sua exposição à informação e ajudando-os a clarificar alguns aspetos, sem alarmismos e evitando generalizações abusivas. É fundamental que as crianças continuem a acreditar que o mundo pode ser, de facto, um local seguro e que para tal é necessária e urgente uma ação conjunta de todos nós. Sem exceção.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal
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É fundamental que as crianças continuem a acreditar que o mundo pode ser, de facto, um local seguro e que, para tal, é necessária e urgente uma ação conjunta de todos nós. Sem exceção."