O apelo fora emitido horas antes sob a forma de SOS. O submarino nuclear norte-americano afundava-se, capturado pelas águas profundas do oceano. À tripulação, restava-lhe uma oportunidade de resgate, corporizada na equipa a operar numa plataforma petrolífera instalada na região. Porém, não eram somente as águas negras que aguardavam os potenciais salvadores. Uma força alienígena agitava-se nos lodos do fundo oceânico. James Cameron, cineasta canadiano e coautor do guião do filme O Abismo, quis no ano de 1989 revisitar a sua abordagem a diferentes possibilidades de mundos e formas de vida. Isto, após em 1986, o também realizador das películas Titanic e Avatar, levar a sua filmografia para os confins do espaço, no encalço da nave Nostromo, em Aliens - O Recontro Final..Vinte e três anos volvidos sobre o lançamento nas salas de cinema d´O Abismo, James Cameron protagonizou a exploração que o inscreveu nos anais da oceanografia. A 26 de março de 2012, Cameron reivindicou o título de primeiro ser humano a descer sozinho os perto de 11 mil metros entre a superfície do oceano e o seu ponto mais profundo. O cineasta conquistou a Fossa das Marianas, desfiladeiro com mais de 2 400 quilómetros de extensão, localizado no Pacífico, a leste das ilhas com o mesmo nome. Por mais de duas horas, o batiscafo de oito metros de comprimento, equipado com braços robotizados, viajou em direção a um dos ambientes mais inóspitos do planeta. Cameron reviveu a expedição dos dois primeiros seres humanos que visitaram o local. A 23 de janeiro de 1960, os mergulhadores Don Walsh e Jacques Piccard, a bordo do batiscafo Trieste, desceram à Depressão Challenger, o ponto mais baixo da superfície terrestre com os seus 10 923 metros de profundidade. Por comparação, o Monte Evereste tem o seu pico a 8848 metros de altitude..James Cameron moveu-se por 70 minutos no "seu" abismo, enquanto filmava para a National Geographic, ao abrigo da expedição Deep Sea Challenger. Exploração que recorda no batismo de nome não só o lugar então explorado, como também a aventura que perto de 150 anos antes agitou as águas de todos os oceanos..Em 1876, a Inglaterra Vitoriana celebrou um feito comparável à chegada da Apollo 11 à Lua no século XX. Volvidos quatro anos de viagem, a Challenger, corveta a vela e vapor da marinha britânica, regressou à pátria. Trazia 1250 dias de périplo mundial e mais de 127 mil km percorridos. Apelidada de Expedição Challenger, esta foi a primeira empresa global de pesquisa marinha, organizada pela Royal Society em colaboração com a Universidade de Edimburgo. .Uma pequena multidão agitava-se a bordo da embarcação de 68 metros de comprimento. Entre tripulantes e cientistas, a Challenger abrigava mais de 200 almas (a morte e deserções reivindicaram mais de 70 tripulantes antes do fim da viagem), comandadas pelo britânico capitão George Nares, também explorador das regiões árticas e com supervisão científica do escocês Charles Wyville Thomson, zoólogo marinho..A corveta que antes servira os esforços de guerra fora, entretanto, equipada com laboratórios de história natural e química, câmara escura para revelação de fotografias, plataforma para dragagens, redes de arrasto e centenas de quilómetros de cabos produzidos a partir de cânhamo italiano. Um destes cabos fez história naquela que foi considerada a viagem fundadora da moderna oceanografia. Após três anos de viagem, cumpridas exaustivas etapas nos oceanos Atlântico e Índico, a Challenger varria as águas do Pacífico numa rota ziguezagueante, entre os territórios da Austrália e Filipinas..Ao largo das Ilhas Marianas, descobertas três séculos antes por Fernão de Magalhães, fez-se o lançamento do cabo, munido com peso na extremidade, para averiguar a profundidade do local. Naquele 23 de março de 1875 o cabo esgotou os seus mais de oito mil metros de comprimento sem tocar no fundo marinho. A Expedição Challenger inscrevia na oceanografia o ponto de maior profundidade até então sondado. Medição que, em 1951, a Expedição Challenger II confirmaria, com a sonda a alcançar os quase 11 mil metros de profundidade. O local foi apelidado de Depressão Challenger em homenagem à expedição de há 175 anos. .Para a ciência, a viagem de circunavegação de 1872 a 1876, contribuiu com a descoberta de mais de quatro mil novos espécimenes marinhos e para cima de 30 mil páginas de observações, continuamente publicadas até 1895. Acervo atualmente em posse do Museu Britânico de História Natural..Em 1921 inscrevia-se o último capítulo da corveta Challenger, então abatida, restando hoje a figura de proa num museu em Southampton, na costa sul de Inglaterra. .Dos abismos oceânicos, para o espaço, a memória da Challenger perduraria nos anos de 1980. Em abril de 1983 o mundo assistiu ao lançamento inaugural do Space Shuttle Challenger, o segundo da sua categoria após a estreia do Columbia. Até 1986, o engenho espacial levou para a órbitra da Terra o nome do navio que aproximou o Homem dos abismos oceânicos..Em janeiro de 1873, a corveta Challenger aportava a Lisboa, naquela que era a primeira entre as centenas de escalas nos três anos seguintes. O périplo atlântico incluiu a Madeira, Canárias, Ilhas Virgens, nas Caraíbas e, finalmente, os Açores. Daí para sul, a expedição atravessou pela primeira vez a linha do Equador, aportando ao Brasil..Da América do Sul, contornado o Cabo da Boa Esperança, já em África, a viagem aproximou-se do círculo Ártico. Seguiram-se-lhe, entre 1874 e 75, a travessia do Índico, escalas na Oceânia, Indonésia, Hong Kong e Japão. Superado o Pacífico, com paragens no Havai e Taiti, a rota prosseguiu rumo ao Chile, depois território da Patagónia e Estreito de Magalhães. Em maio de 1876 a Challenger recolhia ao porto de Vigo para, em junho alcançar o Reino Unido.