Exército mantém abertos quartéis que aceitou encerrar em 2014
Parte dos quartéis que o Exército garantiu que ia fechar continuam abertos e o seu processo de encerramento foi travado. O ramo assumiu formalmente o compromisso de encerrar quase metade das instalações existentes em 2014 mas, com a mudança de governo em 2015, voltou atrás na transferência de alguns quartéis e unidades. Nem o Exército nem o Ministério da Defesa explicam as razões dessa suspensão.
Questionado desde o verão pelo DN, o Exército limitou-se a dizer que "ficou cancelada, com conhecimento da tutela, a transferência do Regimento de Engenharia n.º 3 para Chaves". Porquê e como, uma vez que o processo aprovado em Conselho de Chefes foi objeto de um despacho do então ministro José Pedro Aguiar-Branco? O ramo nada mais disse sobre uma decisão validada pelo atual titular da pasta, Azeredo Lopes.
Em causa está pelo menos o fecho dos quartéis de Espinho - com duas centenas de militares e uma carreira de tiro subterrânea - e Tavira, além da extinção do Regimento de Infantaria n.º 19, em Chaves. Azeredo Lopes, três meses após a posse, assinou o despacho a anular o fecho de Tavira e parar os outros processos, embora mantendo a referência à extinção dos regimentos.
Contudo, as notas relativas às duas unidades indiciam que é para ficar tudo igual. Primeiro, diz-se que o Regimento de Infantaria n.º 19 "é extinto após a transferência do Regimento de Engenharia n.º 3 para o aquartelamento de Chaves". Logo a seguir acrescenta-se, sobre a unidade de Espinho: "A transferir para Chaves, após a extinção do Regimento de Infantaria n.º 19."
Face ao silêncio oficial, fica-se sem perceber como é que se extingue o regimento de Chaves após transferir o de Espinho quando este só será transferido após extinguir o de Chaves (tem 230 efetivos).
Para o major-general Carlos Chaves, isso resulta das "pressões dos quadros permanentes que não querem mudar para outro local" - o que "reflete uma acentuada falta de liderança do comando" do Exército, frisou o oficial, assessor do ex--primeiro-ministro Passos Coelho (quando se iniciou a reestruturação das Forças Armadas que culminou com a aprovação da Reforma 2020) e que presidia à Comissão de Acompanhamento para a Reforma da Defesa quando esta foi extinta pelo atual ministro.
Papel da Engenharia no interior
Quanto ao despacho de Azeredo Lopes, Carlos Chaves entende que "significa o prolongamento de uma não decisão que prejudica objetivamente o interior do país e não favorece em nada o Exército".
Dadas as unidades envolvidas e a prioridade política dada ao interior após as tragédias dos fogos em 2017, pode deduzir-se que a unidade de Engenharia teria em Chaves uma maior importância do que uma de Infantaria.
Em Tavira, onde há três dezenas de efetivos, a decisão de fechar o Quartel da Atalaia resultava da transferência do Regimento de Infantaria n.º 1 - em 2015 - para Beja. Mas a mudança de governo no final desse ano levou a manter aquelas instalações como Destacamento da unidade agora sediada na capital do Baixo Alentejo.
Nuno Pereira da Silva, coronel na reserva que comandou o regimento ainda em Tavira (no início desta década), admitiu ao DN que foram "as pressões" de autarcas a parar o fecho do quartel. Com "a presença dos militares em exercícios nas serras de Monchique e Caldeirão", sempre em contacto com as autoridades locais, "os presidentes de câmara disseram que não podia ser porque deixou de haver fogos".
O chamado Plano de Redução do Dispositivo Territorial das Forças Armadas foi aprovado por despacho ministerial em outubro de 2014, acompanhando a redução de efetivos - em rigor só no papel, pois os números reais eram inferiores aos aprovados. Cabendo aos chefes dos ramos garantir a implementação desses processos, isso permitiria que menos quartéis tivessem maior número de militares em cada um.
O objetivo assumido para o Exército, aproveitando a pressão imposta pelas restrições financeiras da troika, visava reduzir cerca de metade das 168 unidades, estabelecimentos e órgãos espalhados pelo país. Os números foram variando durante os estudos e negociações entre o governo e os chefes militares, mas o número final de quartéis a fechar e desativar rondou os 75 - os quais seriam depois para rentabilizar, no âmbito das várias modalidades previstas na Lei de Infraestruturas Militares (LIM).
Globalmente, o plano proposto pelas chefias visava uma redução de 30% no conjunto de comandos, unidades, estabelecimentos e órgãos das Forças Armadas até 2020. Mas os apertados calendários de execução definidos pelo governo causaram mal-estar no Exército, uma vez que tanto a Marinha como a Força Aérea já tinham começado a reduzir os respetivos dispositivos territoriais em anos anteriores.
De acordo com a Reforma 2020, 50% dos quartéis abrangidos tinham de estar fechados até final de 2015 (menos de três meses após as eleições legislativas), sendo a grande maioria no Exército. Hospitais militares de cada ramo, estações radionavais, centros de recrutamento e gabinetes de atendimento foram algumas das muitas infraestruturas encerradas, sendo já então equacionada a desativação da base aérea do Montijo para utilização do tráfego aéreo civil.
Por concretizar continua um projeto proposto há uma década pelo Exército: retirar o Estado-Maior de Santa Apolónia, no centro de Lisboa. A própria unificação da Academia Militar, dividida entre Lisboa e a Amadora, seria outro exemplo com impacto orçamental.