Exclusivo DN/NYT: Há um gesto universal no futebol. E tem a ver com falhanços

Quando falham um golo, os jogadores levantam as mãos e põem-nas na cabeça, aparentemente, o gesto que significa: "Oh meu Deus, como é que eu falhei isto?"
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Os golos nos jogos de futebol podem ser poucos e espaçados, o que ajuda a explicar a natureza delirante da maioria das comemorações. Alguns jogadores arrancam as camisolas ou caem de joelhos e deslizam pela relva numa demonstração de felicidade. Normalmente, todos eles acabam por baixo de um monte de colegas de equipa exultantes.

Depois, há os jogadores que têm uma oportunidade de marcar golos e, por qualquer motivo, falham. Quando isso acontece, todos fazem a mesma coisa: levantam as mãos e põem-nas na cabeça, aparentemente, o gesto universal que significa, "Oh meu Deus, como é que eu falhei isto?"

Quem acompanhou o Campeonato do Mundo deste verão, provavelmente viu esse gesto dezenas de vezes, feito por jogadores de todas as posições e de todos os países.

Lionel Messi fê-lo e Cristiano Ronaldo também. França, Bélgica, Inglaterra e Croácia avançaram para as meias-finais, mas os seus jogadores também passaram pela postura de desilusão. Segundo zoólogos, psicólogos e outros que estudam essas coisas, não tem nada a ver com futebol e tem tudo a ver com a psique humana.

O gesto significa que "a pessoa sabe que estragou tudo", diz Jessica Tracy, professora de psicologia da Universidade da Columbia Britânica. "Vai passar aos outros a mensagem: "Eu sei e peço desculpa, portanto não precisam de me expulsar do grupo, não precisam de me matar"".

O gesto também não se limita a quem tentou o golo. Num dos falhanços do futebol mais repetidos de todos os tempos, no Campeonato do Mundo de 2010, Yakubu Aiyegbeni, da Nigéria, falhou com a baliza aberta a cerca de 3 metros de distância. Embora Aiyegbeni tenha ficado praticamente imóvel a seguir, quase todos os seus companheiros de equipa e treinadores fizeram o gesto numa sincronia imediata e não ensaiada.

No seu estudo de referência de 1981 sobre o desporto, A Tribo do Futebol, o zoólogo Desmond Morris incluiu o gesto no seu catálogo de 12 reações do jogador à derrota. Ele salientou a sua função de autoconforto, que descreveu como "uma forma de autocontacto, um mecanismo muito usado quando o indivíduo sente necessidade de um abraço reconfortante, mas não tem ninguém imediatamente disponível para lhe oferecer um". Também é usado por primatas não humanos.

Em 2008, Tracy publicou um influente estudo com o seu colega David Matsumoto, no qual eles estudaram os gestos de vitória e derrota feitos por atletas olímpicos visuais e congenitamente cegos. Eles encontraram provas que sugerem que os comportamentos de exibição do orgulho e da vergonha eram inatos e universais.

"Quando se põe as mãos na cabeça é sinal de vergonha", disse Tracy. "Vê-se a constrição do corpo, a forma como o jogador põe os braços em redor da cabeça, quase como se quisesse ficar mais pequeno. São elementos de exibição de vergonha muito clássicos".

Grandes defesas, o mesmo gesto

Os jogadores sabem melhor do que ninguém quando fazem asneira. Cobi Jones, que teve uma longa carreira na seleção masculina dos EUA e agora trabalha como comentador de televisão, disse numa entrevista telefónica que uma falha flagrante desencadeia, juntamente com o gesto, um sentimento de descrença e constrangimento. "É para aquilo que treinamos dia após dia, para colocar a bola na baliza", disse ele. "E aquela era simples. Era uma que não podíamos falhar".

O gesto também é feito normalmente depois de um guarda-redes fazer uma defesa espetacular para evitar o que de outra forma seria um golo certo. Um dos exemplos mais famosos aconteceu na final do Campeonato do Mundo de 2006. No final do prolongamento de um jogo empatado, a estrela francesa Zinedine Zidane deu uma cabeçada que, segundo ele, estava destinada a vencer a competição, e limitou-se a ver o guarda-redes italiano Gianluigi Buffon fazer a bola passar por cima da trave com a ponta dos dedos. As mãos de Zidane foram diretamente para o topo da sua cabeça careca.

Se a bola falha a baliza por causa de um erro do jogador ou de uma defesa espetacular do guarda-redes, a resposta dos jogadores frustrados permanece quase idêntica. "É exatamente a mesma realidade estatística", disse o historiador do futebol britânico David Goldblatt. "Ele tem a sua hipótese, falha ou o guarda-redes defende, é indiferente. O mecanismo pelo qual ele chega àquela situação é irrelevante".

Jones descreveu a experiência do atacante em ambos os casos como um "choque".

"Quando as pessoas se sobressaltam inesperadamente, as suas mãos vão para a cabeça numa espécie de movimento protetor", disse Dacher Keltner, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley. "O tipo mais antigo de intenção comportamental nessa classe de comportamentos é proteger a cabeça dos golpes."


Em 1996, Keltner publicou um estudo sobre as reações emocionais das pessoas a explosões súbitas de ruído. Os sujeitos desse estudo tiveram uma reação semelhante à dos jogadores de futebol após um falhanço por pouco. "Quando se ouve um som muito alto, isso é percecionado como alguma coisa que pode bater na cabeça, e defende-se a cabeça, que é vulnerável e crucial", disse Keltner. "Em qualquer tipo de ação como o falhanço por pouco, a fonte da dor psíquica produzirá esses movimentos protetores da cabeça."

O gesto básico pode ser acompanhado por complementos subtis. Os jogadores podem cobrir as caras com as mãos ou a camisola, outra exibição típica de vergonha. Ou podem virar a cabeça para cima, para o céu, no que Goldblatt vê como "pedir que a falha seja interpretada como uma consequência do destino, e não como um erro seu".

Efeito de contágio

"Quando as pessoas se sentem aturdidas, olham para cima", disse Keltner, que passou um tempo com a equipa dos Golden State Warriors falando sobre o seu trabalho sobre compaixão. Uma coisa que ele observou a partir dessa experiência foi que os "atletas sérios reconhecem mais o acaso do que os adeptos". O olhar para o céu, disse, poderia ser o "reconhecimento de alguma coisa para lá da vontade humana".

O gesto das mãos na cabeça também é executado pelos adeptos nos mesmos momentos em que os jogadores o fazem. Como são observadores e não participantes, as suas motivações podem ser diferentes. Philip Furley, professor de psicologia desportiva da Universidade Alemã de Desportos, em Colónia, estudou o comportamento dos jogadores durante os penáltis, quando o gesto é comum.

Furley disse que, entre os espectadores, "o que se costuma verificar é que acontece esse tipo de contágio. Se é uma equipa que se apoia, se aquele jogador que se está a apoiar naquele momento fizer alguma coisa, o espectador pode ser contagiado pelo seu comportamento não-verbal".

Independentemente da causa, a previsibilidade quase absoluta do gesto tornou-se a sua característica mais determinante. "É como as frases de efeito, as frases feitas que os comediantes usam", disse Goldblatt. "As pessoas começam a rir antes de elas serem ditas. Muitos comediantes trabalham isso."

Neste caso, os jogadores de futebol e os adeptos não precisam de trabalhar no gesto. Ele parece vir naturalmente.

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