Acabou o exame mais temido de medicina: "Estou exausto. Acho que vou dormir 3 dias seguidos"

Recém-diplomados ouvidos pelo DN consideram que a prova foi mais difícil do que estavam à espera. Ainda não conhecem a nota, que determina o acesso à especialidade, mas não querem pensar na possibilidade de ter de repetir o exame, que no próximo ano terá um novo modelo. Sabem, no entanto, que não haverá vagas para todos.
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"Agora, ou vou jantar fora ou, se for para casa, durmo dois ou três dias seguidos. Acima de tudo, estou cansado, exausto". É Ricardo Soares, médico recém-formado, de 30 anos, quem fala. Acabou de sair do Harrison, o temido exame de acesso à especialidade médica, que foi feito pela última vez esta quinta-feira por cerca de 2800 recém-licenciados em Medicina. À semelhança do que tem acontecido, Ricardo sabe que centenas de médicos não terão vaga para fazer a especialidade, mas não quer voltar a passar pelo mesmo. "Mais depressa tiro a especialidade noutro país do que repito o exame, mesmo sendo outro modelo. Não quero voltar a sentir tanta pressão".

Ao final da tarde desta quinta-feira, Mónica Pinto, de 25 anos, só pensava em chegar a casa, jantar, tomar um duche e dormir. "Não tenho forças para mais nada. Por um lado, estou aliviada, porque não tenho de estudar. Mas sinto-me exausta, exausta, exausta. Quando saí do exame só me conseguia sentir muito cansada", confessou ao DN a médica recém-diplomada, após duas horas e meia a responder às perguntas do chamado "papão" da Medicina.

Já Ana Rita Araújo, de 26 anos, saiu da prova nacional de seriação com uma "sensação incrível". Ao telefone com o DN, a jovem médica contou que estava "a descomprimir, a ficar com uma dor de cabeça pós-stresse", mas, ainda assim, queria ter uma noite normal. "Vou jantar fora com os meus pais, e desta vez não vai ser McDonald's. Vai ser comida a sério". Isto porque, tal como disse ao DN duas semanas antes do exame, apenas saiu duas vezes nos últimos meses para ir ao cinema e comer um hambúrguer.

Ricardo, Rita e Mónica passaram os últimos meses fechados em casa a decorar cerca de mil páginas do manual Harrison"s Principles of Internal Medicine, que serve de base ao exame, muito contestado por assentar exclusivamente na capacidade de memorização dos diplomados. Saiam unicamente para ir às aulas da Academia da Especialidade, uma das empresas que prepara os jovens médicos para a prova.

Os três são unânimes na apreciação que fazem do exame: foi mais difícil do que estavam à espera. "A meu ver, foi um exame atípico. Havia perguntas estranhamente fáceis e outras estranhamente difíceis. Não me recordo de haver uma disparidade assim tão grande", afirmou Ricardo, acrescentando que ainda não consegue dizer se o exame correu bem ou mal. Sentia muita pressão, pois estava a repetir a prova e tinha mais horas de estudo do que quando fez o exame pela primeira vez (tirou 65%). "Esta semana, senti coisas que nunca tinha sentido. Nem sei explicar. Foram sintomas de exaustão física e mental".

Ana Rita e Mónica realçaram ainda o facto de se terem deparado com duas ou três questões sobre matéria que nunca tinham visto, mas, como as respostas erradas não são descontadas, responderam às cem perguntas da prova.

"Dei cinco voltas à matéria e uma última aos meus post-its e apontamentos. Tinha três perguntas de coisas que nunca li. Podiam estar em tabelas, não sei", contou Rita, que, ao contrário dos colegas, nos últimos dois dias começou a sentir menos pressão. "Fiquei numa excitação para fazer o exame. Fui tranquila, a tentar acreditar que ia correr bem". Mas, confessa, "preferia que tivesse corrido melhor", embora ainda não tenha ideia da nota. No decorrer da prova, tentou manter-se assim: "Parei a cada 20 perguntas para comer um quadrado de chocolate, beber água e esticar-me".

Todos querem tirar uma nota alta, já que os médicos recém-formados que têm melhor nota no Harrison são os primeiros a escolher a especialidade, sendo que centenas ficam de fora, porque não existem vagas nos hospitais portugueses para todos se especializarem. No ano passado, por exemplo, fizeram a prova cerca de 2600 candidatos, mas abriram menos de 1700 vagas.

Para quem fica de fora, resta ficar a exercer como médico indiferenciado ou, como equaciona Ricardo, procurar uma solução fora do país. "Há países onde o acesso à especialidade acontece por entrevista, ou por currículo. Aqui, é um exame que define o resto da nossa vida", diz o jovem, que tem especial interesse por Psiquiatria, Radiologia, Oncologia e Pediatria, entre outras.

As notas oficiais do exame só são publicadas em fevereiro, mas os médicos têm acesso à correção da prova nas próximas horas, feita pela Academia da Especialidade.

"Se tiver de repetir, não será no próximo ano. Não consigo repetir esta loucura dois anos seguidos", diz Ana Rita. Um sentimento partilhado por Mónica: "No próximo ano, nem pensar". Vem aí um novo exame, com 150 questões de escolha múltipla, que irá durar quatro horas (com um intervalo) e será baseado em mais bibliografia. Terá casos clínicos e incentivará o raciocínio clínico. "Não sabemos se vai ser melhor ou pior, mas parece-me que ainda vai ser pior", atira Mónica, que, tal como os colegas, inicia o ano comum em janeiro.

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