Ex-detetive e ex-membro das FARC nuas para celebrar paz
Imagine, já o dizia o título do single mais bem-sucedido de John Lennon, que apela a um mundo em paz, sem barreiras geográficas e divisões religiosas. Ainda assim, esta capa seria difícil de "imaginar" há alguns anos. Para assinalar o acordo de paz que está a decorrer entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), e que deverá estar concluído até março - pondo um ponto final nas negociações de três anos e num conflito de meio século que já vitimou 220 mil pessoas -, a revista colombiana SoHo preparou uma capa especial para a sua edição de novembro.
Em forma de "homenagem à reconciliação", a publicação masculina colombiana juntou na mesma capa uma ex-guerrilheira das FARC e uma ex-detetive do governo que chegou a perseguir o grupo militar, uma delas sem roupa e a outra apenas em lingerie, celebrando o acordo histórico entre o presidete Juan Manuel Santos e o líder das FARC Rodrigo Londoño. Para ilustrar a ocasião de forma ainda mais simbólica, as duas protagonistas da edição de novembro da Soho surgem a imitar aquela que é uma das capas mais icónicas de sempre: a de John Lennon e a mulher, Yoko Ono, na norte-americana Rolling Stone, em 1981. O eterno Beatle e a artista plástica, ambos ativistas pela paz, protagonizaram esta capa uma década depois de Lennon ter lançado o single Imagine, aquela que é provavelmente a canção que o imaginário comum mais associa à ideia de um mundo sem guerra e conflitos.
No interior da publicação, e ao longo de um especial de 25 páginas, as declarações da ex-guerrilheira das FARC e da ex-detetive do Departamento Administrativo de Segurança (DAS) sobre os anos em que trabalharam nestes dois grupos distintos e rivais são ilustradas com várias imagens das duas com pouca ou sem roupa, sob o título "A paz segundo SoHo".
Ana Pacheco, a ex-guerrilheira das FARC, explicou à rádio local La W que não quis aceitar o convite da SoHo, mas que mudou de ideias quando pensou sobre o assunto. "Esta imagem de capa simboliza a paz. E o que é mais bonito do que duas mulheres, vindas de lados opostos, a fazê-lo? Chegou a altura de pedir perdão a todos aqueles que magoei durante o tempo em que fui guerrilheira", disse a colombiana de 26 anos, natural de Meta, casada e com duas filhas.
Com dois irmãos já dentro do grupo revolucionário, Pacheco entrou nas FARC com 14 anos. Sempre sonhou em ser atriz ou manequim, mas o uniforme usado pelos guerrilheiros despertou a sua atenção. "Atraía-me o uniforme deles, a elegância, a postura. Chegavam a casa muito limpos. E as mulheres estavam sempre bonitas. Uma mulher com uma arma fica sempre bem. Com 14 anos, fui até à Frente 25 às escondidas da minha mãe. Foi duro para ela. Aceitaram-me de imediato e deram-me o nome de Jennifer. Deram-me logo o uniforme e pensei: "Isto é o máximo"", recorda Ana Pacheco, a penúltima de nove filhos, acrescentando que durante os dois anos em que esteve nas FARC nunca calhou estar num conflito. "Fazia mais vigilância na rua", conta, frisando que a parte que menos gostou foram as aulas de política que teve de ter no curso de iniciação: "Davam-me sono." Questionada sobre o que pensarão os seus ex-companheiros das FARC sobre esta capa, a atual maquilhadora e esteticista diz: "Pensarão, "se foi capaz de se despir e de cumprir o sonho de fazer esta capa, porque não poderemos nós fazer o mesmo?""
Já Isabel Londoño, de 28 anos, deixou o mundo das Barbies, pelas quais era obcecada em criança, e a prática de voleibol, já anos mais tarde, para seguir outro rumo. Aos 18, entra no DAS, quando um familiar distante fica na sua casa de família e conta que esteve a trabalhar num grupo de inteligência que perseguia Pablo Escobar. Londoño conta que ficou perplexa com o que ele disse, a mesma reação que a sua mãe teve quando disse que queria ser detetive. A colombiana frisa que houve "revolta" pela sua decisão de entrar no DAS, mas que, no final, o seu pai a acompanhou para se apresentar à Academia Aquimindia de Cota. "Interessava-me fazer coisas que não esperam que eu faça. Tinha curiosidade pelas operações secretas. Não eram as armas que me atraíam", contou a ex-detetive, natural de Santa Rosa de Cabal.
Diego Garzón, o diretor da SoHo, explicou ao ABC esta aposta para a capa de novembro. "Nunca nos intrometemos em assuntos políticos, porque não faz parte da nossa linha editorial. Mas queriamos, de certa forma, fazer parte deste sentimento de reconciliação que tem prevalecido na Colombia", remata o responsável.