Evo Morales vezes quatro? Bolívia vota nas eleições mais renhidas desde 2005
A Constituição de 2009 impunha limite de mandatos, em 2016 o presidente perdeu um referendo que permitia que fosse reeleito, mas o Tribunal Constitucional decidiu um ano depois que limitar o tempo que podia servir era inconstitucional. O resultado é que Evo Morales pode conseguir este domingo um quarto mandato consecutivo à frente dos destinos da Bolívia, quase 14 anos depois da primeira vitória eleitoral.
O principal adversário de Morales, que festeja para a semana os 60 anos, é o ex-presidente Carlos Mesa, de 66 anos. Mesa era vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada quando, em outubro de 2003, este foi forçado a demitir-se e a fugir do país no meio de protestos generalizados causados pela chamada Guerra do Gás. Não duraria dois anos no cargo, sendo afastado em março de 2005 por causa da situação instável nas ruas, que só se resolveria com a tomada de posse de Morales em janeiro de 2006 e a nacionalização do setor do gás.
Mesa, cujo lema é "Já é Demasiado", é o candidato com mais hipóteses de forçar Morales a uma eventual segunda volta -- algo inédito no currículo do presidente, que venceu em dezembro de 2005 com 53,7% dos votos, foi reeleito em 2009 com 64,2% e em 2014 com 63,3%. No final do ano passado, chegou mesmo a estar à frente de Morales nas sondagens.
Mas não é o único opositor, com o ex-senador conservador Óscar Ortiz a poder roubar-lhe votos. Entre os sete candidatos da oposição há também o médico e pastor evangélico Chi Hyun Chung, de raízes sul-coreanas, que é apontado como o Jair Bolsonaro boliviano -- considera, por exemplo, que os membros do coletivo LGBTI devem receber "tratamento psiquiátrico".
Morales lança-se com o seu próprio lema "Futuro Seguro", baseando-se nos bons dados macroeconómicos para defender que é o candidato da estabilidade. Tal como outros líderes da esquerda latino-americana, Morales beneficiou dos altos preços das matérias-primas nos primeiros anos de mandato para pôr a Bolívia no caminho do crescimento. Mas, ao contrário de outros, manteve políticas macroeconómicas prudentes, que lhe permitiram evitar os problemas na altura da crise. Agora, contudo, as reservas de gás natural estão a esgotar-se e não há investimento em novas explorações.
E a sua aura de primeiro presidente indígena da Bolívia está em erosão, em especial nas cidades. Mas até os próprios índios aimará, como Morales, um ex-líder cocalero (produtores de folha de coca), estão divididos.
Alegações de favorecimento e projetos dispendiosos -- incluindo um palácio presidencial de 28 andares em La Paz que custou 34 milhões de dólares a construir ou o Museu da Revolução Democrática e Cultural de 7,1 milhões de dólares na sua natal Orinoca (todos lhe chamam museu de Evo -- criaram um sentimento de desconforto, com o presidente a ser acusado de perder o contacto com os trabalhadores.
Mais recentemente, os incêndios na Amazónia -- que não afetaram só o Brasil. Os críticos alegam que Morales deu luz verde aos agricultores para a queima da floresta, em troca do apoio político.
E depois há o facto de ter ignorado o resultado do referendo que o impedia de se candidatar a um novo mandato. Já vai no terceiro porque se começava a contar o limite de mandatos a partir da segunda eleição, visto ter havido uma mudança da Constituição entre o primeiro e o segundo mandato. Após a derrota por 2,6 pontos de diferença no referendo de 2016, Morales recorreu para o Tribunal Constitucional, uma das instituições cuja idoneidade tem sido posta em causa. O argumento: negar-lhe o direito à reeleição seria uma violação dos seus direitos humanos.
As sondagens apontam Morales com 36%, seguido de Mesa com 27% e Ortiz com 8%. Segundo a lei, a vitória à primeira volta só é possível com mais de 40 pontos percentuais e uma diferença de dez pontos em relação ao segundo classificado.