Evite os termos "Ti Francisco" e "Avô Manuel" em casos de emergência

Proteção civil produz linhas de orientação para os profissionais se dirigirem a grupos específicos, como seniores, em acidentes graves e catástrofes. Associações querem ver a prática.
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Bombeiros, polícias e funcionários municipais, entre outros, têm, a partir de agora, linhas de orientação para falar com grupos específicos numa situação de emergência. O público-alvo são seniores, pessoas com diferentes tipos de deficiência - física e mental - LGBTI, autistas, crianças não-acompanhadas, vítimas de violência doméstica e de tráfico de seres humanos. As associações consideram que "é uma boa medida", mas precisam de ver como é traduzida na prática.

Não tratar os seniores por "Avô Manuel" ou "Ti Francisco", pois podem ficar ofendidos. Ao conversar com alguém em cadeira de rodas, sentar-se ou ajoelhar-se para falar ao nível dos seus olhos. Não tapar a boca ao dirigir-se a uma pessoa surda. Não se fazer de guia de um invisual sem perguntar primeiro se necessita de ajuda. Se alguém com perturbação mental ficar agitado, ajude-o a encontrar, se possível, um espaço longe da confusão. As famílias LGBTI devem ser tratadas tal como qualquer outra família. Estes são alguns dos conselhos do manual, intitulado Abordagem de públicos com necessidades específicas em contexto de Zonas de Concentração e Apoios à População (ZCAP).

As linhas de orientação serão utilizadas em acidentes graves e catástrofes, como incêndios ou cheias, em que seja necessário retirar as pessoas do local por segurança. E que poderão ficar alojadas temporariamente nas ZCAP, onde poderão dormir, alimentar-se e ter apoio psicossocial. Envolve profissionais de várias entidades: municípios (serviços municipais de proteção civil e de ação social), Segurança Social, organizações não-gover- namentais que prestam auxílio às populações, nomeadamente cuidados de saúde.

O guia é publicado pela Plataforma Nacional para a Redução do Risco de Catástrofes e resultou da colaboração entre a Associação Nacional de Emergência e Proteção Civil, os institutos da Segurança Social e para a Reabilitação, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e a Direção-Geral da Saúde.

"Pode representar um contributo importante para o apoio das pessoas com deficiência em situações de emergência e catástrofe, aspeto que, na maioria dos casos, não é tido em conta tanto quanto deveria ser. Representa, por isso, um progresso relevante para o cumprimento do disposto no artigo 11.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência", diz Rodrigo Santos, presidente da direção nacional da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO).

No entanto, gostaria que a ACAPO tivesse estado envolvida na medida, como sublinha estipular a mesma convenção.

Rodrigo Santos entende este guia como "uma base para uma efetiva planificação de situações de emergência que acautele as especificidades necessárias à garantia de um socorro efetivo às pessoas com deficiência visual em quaisquer tipos de situações de emergência, e não apenas nas que envolvam o acolhimento nas referidas zonas. As situações de emergência, para as quais não raras vezes são envolvidos recursos como bombeiros, médicos e outros profissionais de emergência, são múltiplas e diversas, desde um transporte de urgência por doença, a uma catástrofe que envolva complexas operações de busca e salvamento".

Rosário Gama, presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe), é sensível quando se fala com os familiares dos mais velhos, como se estes não estivessem presentes. "É um documento interessante, gosto da forma como critica determinado tratamento para com os seniores - também em relação a outros grupos -, que é uma das coisas que nos incomoda. Gostaria de ver como vai ser a sua aplicação. Em que circunstâncias será utilizado, com quem? Será diferente numa cidade de uma zona do interior, em aldeias onde existem poucas pessoas e que."

Também Carlos Filipe, presidente da 3 C"S - Associação Cultural, Desportiva e Recreativa, de pessoas com mobilidade reduzida, questiona a passagem da teoria à prática do documento. Considera-o "bastante estruturado e detalhado, nota-se que houve um cuidado para cada situação".

Argumenta: "Quantas e quantas vezes, presenciamos profissionais em diversas áreas, que quando se deparam com alguém "diferente" (se é que podemos usar esta palavra, hoje em dia), ficam sem reação, sem saberem como agir. Isso, leva muitas vezes a desentendimentos e a situações desnecessárias, que nem foram causadas por mal, mas apenas por desconhecimento."

Critica o uso do termo "comunidade" para se referir a grupos específicos, uma vez que "a comunidade somos TODOS nós". A solução tem de passar por uma mudança de mentalidades, defende.

Ana Aresta, presidente Associação ILGA Portugal considera o guia um "importantíssimo" reconhecimento das pessoas LGBTI. No entanto, critica o facto de não ter sido pedido o apoio das associações e equipas especializadas. Questiona, por exemplo, se não se está a promover a invisibilidade destas pessoas. Exemplifica: "Quando recomendamos que se façam as perguntas que se faria a qualquer outra família, estamos a negar a especificidade daquela estrutura fami- liar concreta. Se estamos perante um casal LGBTI é relevante questionarmos se existem crianças envolvidas, assim como questionar se existem mais figuras significativas na vida da criança, nomeadamente mais mães ou pais envolvidos na estrutura familiar."

ceuneves@dn.pt

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