Eutanásia. Terceiro round na próxima legislatura

Partidos que aprovaram eutanásia prometem não deixar cair o diploma. PS admite uniformizar conceitos, mas não mais que isso.
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A despenalização da morte medicamente assistida fica remetida para a próxima legislatura, e condicionada à maioria que se vier a formar no Parlamento, mas o PS afirma desde já a disponibilidade para corrigir as imprecisões apontadas pelo veto de Marcelo Rebelo de Sousa, reenviando o diploma "corrigido" para Belém - pela terceira vez. Mas, se a esse terceiro envio corresponder um novo veto, o caso deverá mudar de figura.

Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada parlamentar socialista, considera que o veto de Marcelo Rebelo de Sousa ao decreto do Parlamento é "fundamentado". "O Presidente aponta dúvidas sobre conceitos, a Assembleia da República deve clarificá-los. É uma matéria sensível, é matéria penal, não deve haver dúvidas", diz ao DN o parlamentar socialista, admitindo que há conceitos "que não são utilizados de forma uniforme". "Se a lei tem conceitos que não estão harmonizados, harmonizam-se", sustenta Pedro Delgado Alves. E depois? "Se o Presidente quiser vetar politicamente, isso será uma discussão para outra altura." Recorde-se que, em caso de veto político, o diploma pode ser reconfirmado pela maioria absoluta dos deputados, o que obriga Marcelo a promulgar.

Mas se os socialistas admitem uma harmonização dos conceitos, o mesmo não é válido para a alegação de Belém de que houve uma mudança de fundo no diploma, que nesta segunda versão terá aberto as portas à eutanásia para além dos casos de doença fatal. "Não há um alargamento da extensão", garante Delgado Alves. E o mesmo diz Isabel Moreira, uma das principais redatoras do diploma. A possibilidade de recurso à morte medicamente assistida em situações não necessariamente fatais "sempre lá esteve, não há qualquer novidade quanto a isso", refere a deputada do PS, que defende que o Presidente usou um pretexto jurídico para fazer um veto que é "político".

Marcelo Rebelo de Sousa devolveu o decreto à Assembleia, sem promulgação, na segunda-feira à noite, com dois argumentos de fundo. Por um lado, a diferenciação de conceitos para aceder à morte medicamente assistida, dado que num artigo se exige "doença incurável e fatal", num outro "doença grave ou incurável", e num terceiro esta expressão surge como "grave" e "incurável", já não alternativa, mas cumulativa.

Mas Marcelo levanta uma outra questão: a admissão da eutanásia em casos em que não há doença fatal. Questionando se esta formulação corresponde a um sentimento dominante entre os portugueses, pergunta: "O que justifica que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha?". Uma argumentação que Isabel Moreira contesta, sustentando que sempre foi claro que a lei se devia aplicar a casos como o de Luís Miguel Marques, um português que pedia a legalização da eutanásia há anos, e que acabou por recorrer à morte medicamente assistida na Suíça. Luís Miguel Marques tinha 63 anos e estava tetraplégico há 55. A deputada relembra ainda que foi o Tribunal Constitucional a sugerir a lei espanhola como guia para a clarificação dos conceitos que então declarou inconstitucionais.

O veto de Marcelo foi recebido por um coro de críticas entre os partidos proponentes do diploma. Para o BE a não promulgação deve-se à "oposição pessoal do Presidente da República" à morte medicamente assistida". Já o PAN veio lamentar que o chefe de Estado não tenha acompanhado a "vontade ampla" traduzida na maioria que aprovou o diploma no parlamento, enquanto o PEV sustentou que as "convicções pessoais" de Marcelo não terão sido alheias a esta decisão. A Iniciativa Liberal também não poupou nas críticas: "Trata-se de um veto político que o Presidente da República tenta disfarçar com dúvidas jurídicas que a IL não partilha porque a redação final do diploma não altera as exigências formais anteriormente previstas". Do lado contrário, o PCP considerou que a não promulgação se deve a "questões circunstanciais" que nada têm a ver com a oposição de fundo dos comunistas ao diploma, enquanto o CDS saudou o veto, defendendo que os conceitos não são irrelevantes.

Na mensagem enviada à Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de escrever que "não pesa" na sua decisão "qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal - que, essa, seria mais crítica". Voltou a afirmá-lo ontem, reiterando que foi o problema de falta de clareza da lei a ditar a não promulgação. "Na mesma lei, e até no mesmo artigo, temos regras contraditórias. Dir-me-ão, isto é um problema jurídico? Não, é um problema político, de substância. Quem vai aplicar a lei precisa de ter um critério", defendeu o Presidente da República, sublinhando que esta "não é uma questão menor, é uma questão de vida ou de morte". Marcelo deixou em aberto uma possível promulgação, caso sejam sanadas as questões que apontou.

Em última instância tudo depende da composição do próximo Parlamento. Não sendo expectáveis alterações na posição dos partidos, do lado do sim estarão o PS, o BE, o PAN, o PEV, a IL, do lado contrário o PCP, o CDS e o Chega. E, para além do número de assentos que venha a alcançar, há ainda a incógnita do posicionamento dos deputados do PSD - na última votação 13 votaram a favor, entre os quais o presidente do partido, Rui Rio.

Com Lusa

susete.franciscop@dn.pt

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