Eutanásia deve passar pelo crivo prévio do Tribunal Constitucional

Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida iniciou ontem um ciclo de debates sobre o fim de vida. Ex-ministra da Saúde Maria de Belém Roseira defende que o TC se deve pronunciar
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Os diplomas sobre a despenalização da morte medicamente assistida devem ser objeto de uma discussão ampla, profunda, e de uma "consulta preventiva" ao Tribunal Constitucional. A ideia foi ontem defendida por Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde e candidata às últimas eleições presidenciais. Falando no primeiro de um ciclo de 11 debates dedicados ao tema "Decidir sobre o final da vida", promovido pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), a ex-deputada socialista apontou também o que poderia ser, para já, uma solução de compromisso - "a sedação profunda até à morte". Ou seja, especificou ao DN, até que a morte acabe por ocorrer em virtude da doença do paciente.

Numa altura em que estão anunciados três diplomas sobre a morte medicamente assistida (abarcando a eutanásia e o suicídio assistido), do Bloco de Esquerda, PAN e PEV, o painel que ontem debateu o fim da vida na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, abordou - muitas vezes em dissonância - vários aspetos de uma questão que todos reconhecem ser complexa.

Com Maria de Belém a pôr o acento na defesa do "princípio da autonomia" de cada indivíduo, este foi desde logo um conceito a merecer posições mais críticas. "A autonomia não pode constituir a base para uma legalização da eutanásia. Não pode ser absolutizada em relação a outros princípios", defendeu o médico e especialista em bioética Walter Osswald. Que levantou também a questão da experiência em países como a Bélgica e a Holanda, sustentando que também nestes casos se começou com uma lei em muito idêntica ao que agora se discute em Portugal, mas que entretanto se estendeu a menores e criou o medo de um uso indevido. Uma perspetiva contrariada pelo filósofo José Gil: "Os crimes não fazem lei. Não é argumento para que não haja legislação".

A favor da eutanásia, mas objetor

Sobrinho Simões, médico patologista, levantou a questão da relação da classe médica com legislação que abra a porta à morte medicamente assistida. O Prémio Pessoa de 2002 é um dos signatários da petição "Pela despenalização da morte assistida", que deu entrada no parlamento no ano passado, mas ontem admitiu que será objetor de consciência: "Estou num a situação desagradável. Acho que as pessoas têm todo o direito, mas eu não faço isso". "Como médico não fui treinado para ser o eutanasista", sublinhou, acrescentando que vê "com imensa dificuldade" a forma como a morte medicamente assistida pode ser posta em prática. Já em referência aos cuidados paliativos, Sobrinho Simões fez questão de notar que é opinião unânime que devem ser melhorados, mas que esta é uma discussão que não se deve misturar com a da eutanásia: "Não deve ser confundido. São duas coisas distintas".

Com vários médicos a intervir a partir da plateia durante o período de debate, foram várias as reservas levantadas à legalização da eutanásia. Em resposta, Walter Osswald levantou uma outra questão. Se um dos grandes argumentos em defesa da legalização da morte medicamente assistida é a autonomia do doente, o médico e docente contrapõe que o processo se traduz "num enorme aumento do poder do médico" - "É preciso que os doentes estejam de acordo que a situação é terminal, que é intratável. Tudo isto é poder do médico, que se sobreleva enormemente à vontade do doente".

Na sessão de abertura, Marcelo Rebelo de Sousa apelou a uma reflexão e a um debate nacional - com "liberdade, pluralismo e tolerância" - sobre os temas relacionados com o fim da vida, garantindo que acompanhará a discussão, mas sem tomar posição (ver caixa).

Coube ao moderador do debate, Miguel Oliveira da Silva, ex-presidente do CNECV, deixar uma referência, ainda que implícita, às críticas feitas por deputados do PS e do Bloco de Esquerda a esta iniciativa, e que foram transmitidas ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues. Evocando a Constituição e a participação democrática dos cidadãos que a Lei Fundamental evoca, Miguel Oliveira da Silva sustentou que "não se pode defender isto na oposição e esquecê-lo quando se está no poder ou nas franjas do poder".

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