Eutanásia aprovada no Parlamento com 136 votos favoráveis
O projeto de lei que despenaliza a morte medicamente assistida foi aprovado no Parlamento esta sexta-feira (29 de janeiro), com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções.
Votaram a favor o Bloco de Esquerda (19 votos), o PAN (3 votos), o PEV (dois), a Iniciativa Liberal (um) e as deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. A grande maioria dos deputados do PS também votou a favor.
PCP (10 votos), CDS (cinco) e Chega (um) votaram contra, assim como nove parlamentares do PS. Entre os socialistas houve duas abstenções.
No PSD, a maioria dos deputados - 56 - votou contra. Houve 14 votos a favor (entre os quais o do líder do partido, Rui Rio) e duas abstenções na bancada social-democrata.
Recorde-se que PS e PSD deram liberdade de voto aos seus deputados.
Contas feitas, o diploma final recolheu uma maioria mais ampla que o projeto de lei mais votado há cerca de um ano, na votação na generalidade, quando o texto do PS recolheu 128 votos favoráveis.
O texto que hoje foi a votos resulta da junção dos cinco projetos de lei aprovados na generalidade há cerca de um ano, a 20 de fevereiro de 2020, e que entretanto foram reunidos num documento único, num grupo de trabalho criado especificamente para este efeito, no âmbito da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais. Na origem deste texto final estão textos da autoria do PS, Bloco de Esquerda, PAN, PEV e Iniciativa Liberal - todos foram aprovados há um ano, com o do PS a recolher a aprovação mais ampla: 128 votos a favor.
Este foi o último passo do processo legislativo na Assembleia da República. O diploma segue agora para o Palácio de Belém, o que deverá acontecer ao longo da próxima semana.
Nas declarações de voto que se seguiram à aprovação do diploma, José Manuel Pureza, (BE) falou numa lei que combina "arrojo com prudência" e, lembrando todos os que lutaram pela aprovação desta lei, destacou o papel de João Semedo, médico, antigo líder do partido e um dos promores da petição que anteceu o processo legislativo. "Esta é a lei João Semedo", afirmou.
Pelo PCP - que votou contra - o deputado António Filipe mostrou "compreensão" com quem possa prentender pôr termo à vida numa situação limite, mas manifestou preocupação com as consequências que a lei possa trazer. O PCP tem o "justo receio de que essa mensagem possa levar a que se venha a instalar no nosso país experiências que não queremos ver cá, uma banalização do recurso à morte antecipada"
Pelo PEV - que votou a favor - o deputado José Luís Ferreira fez questão de sublinhar a "participação e alargado debate" em torno da despenalização medicamente assistida, um processo que será "rodeado de todas as cautelas e garantias". O parlamentar de Os Verdes lamentou, no entanto, que a prática da eutanásia não tenha ficado limitada ao Serviço Nacional de Saúde.
Isabel Moreira, deputada do PS que deu a cara por esta legislação, apontou uma "lei tolerante e plural" que "em vez de perseguir alguns, acolhe as escolhas de cada pessoa". "Houve poucos debates tão densos, tão intensos, tão abertos à sociedade civil", destacou também a parlamentar socialista.
André Silva, do PAN, destacou a mesma ideia, apontando "vários anos de um intenso debate" que resultou num texto "fundado no maior rigor". "Hoje, uma maioria progressista consagra na lei o sentimento geral dos portugueses", sublinhou
Já Telmo Correia, líder parlamentar do PSD, defendeu que a "eutanásia é uma derrota para todos". "É um erro, permite matar vidas que pelo avanço da medicina ou pela alteração da vontade podiam ser salvas", defendeu, apontando a promoção de uma "cultura de morte e suicídio"
"É contra a Constituição e a valor da vida que nela está consagrado", disse Telmo Correia, acrescentando que é "uma indignidade, é aviltante, é uma vergonha" que "num momento em que morrem 300 ou mais portugueses por dia aquilo que o Parlamento tem para oferecer é uma ideia de morte".
Nas declarações de voto houve também alguns recados para Belém. Não é por acaso. É público que o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, católico, é contra a despenalização da eutanásia. O que não se traduz necessariamente na posição do Presidente da República.
Em 2018, numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, Marcelo garantia que o veto político "não será uma afirmação de posições pessoais, representará a análise que o Presidente da República fará do estado da situação na sociedade portuguesa no momento em que for solicitado a ponderar se promulga ou não promulga".
Várias vezes questionado sobre a eutanásia, ao longo do processo legislativo na Assembleia da República, Marcelo sempre se escusou a assumir uma posição - "na altura se verá".
Um dado necessariamente relevante para a posição de Marcelo é a amplitude da maioria que viabilizou o texto - e que aumentou em comparação com a votação na generalidade, recolhendo agora mais oito votos favoráveis. Não só a despenalização obtém uma votação claramente maioritária, bem acima dos 116 votos da maioria absoluta, como esse apoio está longe de se restringir a um espetro político, com a Iniciativa Liberal e deputados do PSD - entre os quais o presidente do partido - Rui Rio - a defenderem a despenalização da morte medicamente assistida. Um contexto que dificulta um veto político, até porque o chumbo do diploma em Belém poderá ser ultrapassado por uma nova votação na Assembleia da República.
Uma hipótese que está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa passa por remeter o diploma para o Tribunal Constitucional. Até agora, só por uma vez o Presidente da República recorreu aos juízes do Palácio Ratton.
Se Marcelo promulgar o diploma, Portugal será o quarto país na Europa e o sétimo no mundo a legalizar a eutanásia.
O projeto de lei hoje aprovado qualifica como "eutanásia não punível" a "antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O pedido de eutanásia implicará a intervenção de dois ou três médicos: um médico orientador e um médico especialista (ambos obrigatórios) e um médico especialista em psiquiatria, caso existam "dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade séria, livre e esclarecida".
A eutanásia poderá realizar-se nos "estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado"