Eurovisão - Um festival colado à pele

A sueca Loreen venceu com Tattoo. E Portugal? Embora Mimicat não constasse dos favoritos, fez-nos desfrutar da sua fantasia no cabaré português.
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A frase "When the stars align" foi ouvida no palco de Liverpool, e as estrelas alinharam-se para dar a vitória a Loreen. Tattoo é uma canção envolvente, pela música e pela performance da cantora, porque quanto à mensagem estou crente de que ela supera a trivial vertente amorosa, o que a valoriza.

Deitada como se estivesse presa entre o chão e o teto de uma espécie de sanduicheira, a cantora sueca de origem marroquina superou as críticas que deram a canção como semelhante a Flying Free da mítica boate espanhola Pont Aeri e de DJ Ruboy e Dj Skudero e, também, próxima de uma canção do grupo sueco Abba, The winner takes it all.

Tattoo é, porém, resultante de um esforço colaborativo entre alguns dos compositores mais afamados do Melodifestivalen, numa aposta forte para a conquista de mais uma vitória e para uma organização consequente que a televisão sueca nunca desconsidera. Tattoo é um hino disco-pop e criou uma atmosfera de palco enigmática ao mesmo tempo que combinou movimento, indumentária, cenografia e encenação dramática. Não é fácil voltar à Eurovisão depois de se já ter vencido uma edição. Loreen provou que é uma artista magistral. No centro de tudo, ela comandou a performance do começo ao fim e até a levou a novos patamares.

Expressamente, a sua mensagem explora um relacionamento romântico conturbado, em que a protagonista está determinada a não cair na perda. Para manifestar o seu compromisso, usa a metáfora de uma tatuagem para simbolizar o enraizamento amoroso. Ela transmite uma profunda mensagem de aceitação e de superação das dificuldades para compreender e valorizar o mundo. Há uma escuridão mística na letra aparentemente banal de Tattoo. Se não há amor sem o seu oposto, não há guerra sem paz, digo eu. Segundo a letra da canção, o que importa é não fugir no momento em que sentimos a dor.

Será que podemos aferir uma metáfora acrescida, dirigida à guerra e ao esforço de manter a Ucrânia na pele geoestratégica da União Europeia e dos Estados Unidos da América?

Se o espectro da guerra pode ou não ter estado no âmago da mensagem de Tattoo, porém, da Croácia chegou Mama ŠČ!. Os membros do Let 3 fizeram apelo à paz vestidos com uma estética ditatorial em tons pastel e com bigodes pintados. Houve até mísseis no palco, enquanto eles falavam de um "crocodilo psicopata".

O espetáculo foi apresentado por um quarteto: a cantora britânica e estrela da televisão Alesha Dixon, a estrela do rock ucraniana Julia Sanina, a atriz britânica Hannah Waddingham e o comediante irlandês Graham Norton. Desde o início que o espetáculo apresentou músicos ucranianos e britânicos, lado a lado, e os vídeos apresentaram os finalistas junto de marcos arquitetónicos do Reino Unido e da Ucrânia.

E Portugal?

É comum dizer-se que abrir a gala tem um esforço acrescido para aquecer a plateia e que a segunda posição é amaldiçoada. Esta posição coube a Portugal, o que não terá sido favorável, mas, embora Mimicat não constasse dos favoritos para vencer, ela fez-nos desfrutar da sua fantasia no cabaré português. A canção fez parte das perfomances mais criativas neste ano e, fatalmente, teve na pele um país disfarçado de alegria, em que a única tatuagem é a raiz de sermos totalmente felizes uma só vez na vida, no que à Eurovisão diz respeito.

Investigador em Eurovisiologia

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