Novo Pacto de Estabilidade exige mil milhões de cortes só na despesa
Os ministros das Finanças da Europa estão a estudar uma maneira de cercar ainda mais a despesa pública, podendo vir a substituir a atual regra do saldo estrutural por um travão poderoso só sobre a despesa pública.
Se a proposta for aprovada, a consequência é que, em vez de os governos tentarem cumprir o Pacto de Estabilidade, aplicando pacotes que podem combinar medidas de corte na despesa mas também de aumentos de receita, ficarão circunscritos apenas a soluções do lado dos gastos.
Para Portugal, o cenário governativo agrava-se, o caminho fica ainda mais estreito.
De acordo com cálculos do DN/Dinheiro Vivo, com base em dados do governo e da própria Comissão Europeia, significa que, neste ano, por exemplo, em vez do ajustamento do défice estrutural (recomendação de julho de 2015, do Conselho Europeu) num valor equivalente a 0,6% do PIB potencial (cerca de mil milhões de euros através de um leque de medidas estruturais, permanentes, do lado da receita e da despesa), o governo teria de reduzir exatamente o mesmo, mas só com recurso aos gastos públicos.
É uma mudança de paradigma. A despesa passa a ficar indexada à taxa de crescimento do PIB potencial. Se o país tiver um potencial de crescimento baixo, os gastos públicos tendem a ser ainda mais penalizados. Pode ser visto como mais um esquema de incentivos para o país fazer reformas estruturais e o Estado sair ainda mais da economia.
Ontem, os ministros do Ecofin alegaram que a mudança é desejável porque a definição e a aplicação prática da regra do saldo estrutural é uma confusão.
A variável alvo, de acordo coma proposta, passa a ser uma rubrica chamada despesa estrutural primária, no fundo a despesa pública permanente, pois a rubrica total é expurgada de juros, da influência do ciclo económico nas variáveis orçamentais e das medidas temporárias e não recorrentes que afetem a despesa, diz o glossário do Conselho das Finanças Públicas, presidido por Teodora Cardoso.
O congénere irlandês, o Irish Fiscal Advisory Council, vai mais ao detalhe. Num estudo que fez sobre o tema, explica que se deve "excluir do total a despesa em juros, os gastos cíclicos com desemprego e programa cofinanciados pela União Europeia". No fundo é uma forma de não penalizar o governo quando este tem de enfrentar picos de desemprego (como acontece durante as crises e recessões) ou quando precisa de investir para agarrar e aproveitar fundos europeus. Fora isto e os juros, tudo passará a ser travado caso a economia seja fraca. Bruxelas não reflete sobre os possíveis círculos viciosos sobre a saúde económica que daqui advenham.
Na avaliação ao Programa de Estabilidade português do ano passado, a Comissão Europeia já aflorava o assunto. Na sequência de muitos e intricados cálculos, Bruxelas concluiu que a tal despesa pública primária, que em Portugal, neste ano, ronda os 41,2% do PIB potencial (cerca de 72,9 mil milhões de euros), teria de cair 1,5% porque o potencial da economia é fraco e porque o país continua longe do objetivo de médio prazo no saldo estrutural (tem de chegar a pelo menos 0,5% de défice em 2020). Dá o tal corte de 1,1 mil milhões de euros.
A história de um pacto
Resumindo. No início era o limite de 3% ao défice público (nominal) e de 60% na dívida. Assim foi desde 1997. Depois, em 2011, o enfoque passou para o défice estrutural, mas pelos vistos não irá ficar por aqui.
Na conferência de imprensa que decorreu ontem em Amesterdão, no final dos dois dias de Eurogrupo/Ecofin, Jeroen Dijsselbloem, o ministro das Finanças holandês e presidente do Eurogrupo, explicou que os governantes discutiram "os indicadores que avaliam o cumprimento do pacto", tendo reconhecido que regra do saldo estrutural - que obriga a aumentar esse saldo à razão de 0,5% do PIB potencial ao ano até chegar ao objetivo de médio prazo (no mínimo um défice estrutural de 0,5% ao fim de cinco anos) - é muito complexa e volátil, dificultando a sua aplicação e avaliação. O PIB potencial está sempre a mudar, por exemplo.
"Houve um acordo geral de que precisamos de um indicador que expurgue todos os elementos cíclicos e pontuais, mas de preferência que seja mais estável e não esteja sempre a mudar e de que nós podemos colocar mais ênfase em indicadores que os ministros das Finanças possam realmente e diretamente influenciar", afirmou Dijsselbloem.
O travão da despesa até já existe no pacto. A questão agora é fazer dele a principal referência. O debate e os estudos prosseguirão, havendo mais novidades no terceiro trimestre deste ano.