Eurico Brilhante Dias: "Governo não pode ser menos avisado na receita e na despesa"
Depois do anúncio de dados económicos e da saída do Procedimento por Défice Excessivo (PDE), o deputado socialista diz em entrevista ao DN que "este governo superou claramente as expectativas" e as suas "em particular".
"Sucesso" foi a palavra mais usada pelo líder parlamentar na intervenção que fez perante os deputados. Não se está a gerar aqui um clima de euforia que pode toldar a governação e a ação política em geral do PS?
É o registo dos resultados alcançados, e isso é importante. Havia objetivos fixados e muitos foram ultrapassados, em particular no PIB e no desemprego, que era a variável para nós fundamental e a prioridade política do PS. Mas Carlos César também disse que este sucesso nas contas públicas não terminou o processo de consolidação. E sublinhou que o contentamento pelos resultados não pode deixar-nos numa situação em que deixamos de nos focar nos compromissos europeus - na redução que devemos continuar a fazer do défice público.
Quando o governo iniciou funções em 2015 - com a solução política com o BE, o PCP e o PEV - esperava que a situação económica agora fosse esta?
Este governo superou claramente as expectativas e as minhas expectativas em particular.
Mas foi por ação proativa da governação ou com grande ajuda das circunstâncias internacionais?
Há duas coisas evidentes: nenhum governo é independente do contexto internacional. No plano interno não foi só por ação do governo, foi também por ação do BE, do PCP e dos Verdes, que em momentos decisivos votaram e suportaram instrumentos de governo e de política governativa que foram essenciais para sustentar a trajetória governativa.
A estabilidade que esta maioria de esquerda tem revelado tem sido também uma surpresa para si?
Isso foi possível porque ao mesmo tempo se cumpriram os acordos e não se defraudaram os compromissos no quadro da UE. Foi possível fazer estes dois caminhos em paralelo e isso permitiu superar as expectativas - e com o reforço de uma componente para mim essencial, que é a confiança.
A atuação do PCP, do BE e do PEV até agora surpreendeu-o?
Não é uma questão só de surpresa. A opinião desses três partidos sobre a Europa é muito diferente da do PS e por isso têm manifestado a sua frontal oposição a que Portugal esteja submetido às regras da UE. Mas até agora tem sido possível trabalhar cumprindo estes compromissos. E perante as dificuldades vividas até 2015 era muito difícil antever que as propostas de BE, PCP e PEV fossem compagináveis com os compromissos europeus.
Acredita que o governo e o PS, com este desenvolvimento positivo de dados económicos, estão mais pressionados à esquerda para, na negociação orçamental, abrir mais os cordões à bolsa?
O programa do governo está em vigor e inclui cumprir os acordos à esquerda. Cumpri-los é o pilar fundamental do relacionamento com o BE e o PCP. Essa é a linha de horizonte fundamental. Mas também continua na linha de horizonte continuar a consolidação orçamental, não é apenas sair do PDE. É reduzir o défice - e em particular o estrutural - até valores substancialmente inferiores aos de hoje. Não antevejo muito mais flexibilidade para aumentar a despesa ou reduzi-la de forma substantiva. Seria uma irresponsabilidade pensar que um défice inferior a 3% nos vai permitir ter um comportamento menos avisado na receita e na despesa. O primeiro-ministro disse uma frase que para mim foi a mais importante dos últimos dias: temos de assumir que esta foi a última vez que o país entrou num processo de resgate. E a maioria dos portugueses percebe muito bem o que quer dizer "a última vez". Não vamos poder regressar àquele tempo. Não podemos agora entrar num processo que não nos permita reduzir o défice nominal e o estrutural.
Há um número que continua a não evoluir bem, que é o da dívida pública, ainda muito elevada. Isto preocupa-o?
O governo tem dado o passo essencial: reduzir a dívida de forma paulatina. As agências de rating começam a dar os primeiros sinais de que uma mudança de rating ou até de outlook pode estar relativamente próxima. Isso é fundamental para diminuir o custo da dívida. Com crescimento económico e diminuição do défice conseguiremos fazer uma diminuição paulatina do rácio da dívida no PIB. Todos sabemos que o PS defende uma solução europeia para a dívida. Temos de evoluir para uma solução conjunta e há passos nesse sentido. Estamos a mostrar que é possível diminuir dívida com crescimento económico e menos défice. É o caminho que temos de fazer.
Desde o anúncio da saída de Portugal do PDE que tem havido um debate político sobre quem é que conseguiu levar o país para fora deste processo. Nesta análise não tem faltado colocar aquele mecanismo de compra de dívida pelo BCE, o quantitative easing?
O PS sempre disse que sem o BCE Portugal não teria saído do resgate.
E essa ação do BCE não tem um peso importante agora na saída do PDE?
No PDE falamos de défice. Se é défice, o contributo fundamental que o BCE dá é na estabilização da economia, com isso temos mais receitas e controlamos mais despesa, nomeadamente com juros. É evidente que a ação do BCE gerou fenómeno de estabilização que ajudou as economias da zona euro a prosseguir outras políticas. Há um contributo do BCE para que a Europa possa voltar a crescer. Mas Mario Draghi foi dizendo que as políticas monetárias não chegam, é preciso que os países tenham políticas orçamentais adequadas e foi isso que Portugal foi fazendo nos últimos anos.