Eucaliptos e Alcochete: insensatez por décadas
Recuemos a Valpaços, 1989. Uma população decidida: "Oliveiras sim, eucaliptos não". A maior propriedade da região, a Quinta do Ermeiro, passa para as mãos da Soporcel, que ali planta 200 hectares de eucaliptos. E a um domingo, 31 de Março, uma população rural enfrenta 200 GNR, muitos dos quais a cavalo, e avança para arrancar os "fósforos" (como lhe chamam), à mão, um a um. Esta história foi recontada em 2019 por Ricardo J. Rodrigues na revista deste jornal, a Notícias Magazine.
As fotos de Fernando Veludo, no Expresso, a reportagem de Miguel Sousa Tavares na RTP e as imagens do JN, mostraram depois ao país o que pretendia a política agrícola de Cavaco Silva e do seu ministro da Agricultura de então, Álvaro Barreto: contra o pobre minifúndio, a grande monocultura rentável. Exatamente assim: arrancar oliveiras, ou o que fosse, para gerar esta cultura do incontrolado "petróleo verde".
A última semana mostra, mais de 30 anos depois, uma realidade de terceiro mundo. Não porque estes fogos sejam piores que os de 2003, 2005 ou 2017. Mas porque, depois dos trágicos "Pedrógão" e "15 de Outubro", são já Presidente da República e primeiro-ministro, em full-time, a tomar conta do país - para que estejamos em alerta máximo. Entalados nesta floresta industrial, nas alterações climáticas e ainda na piromania, sabemos que vão passar gerações até se implantar um mosaico florestal e renascerem as nossas espécies. Se tivermos água.
Mas a realidade impõe-se: as pessoas vão fugindo/vendendo as terras. Entretanto, o eucalipto não dá trabalho (cresce sozinho) e representa uns trocos no bolso de quem vive longe. Quanto à limpeza das matas, bom, é uma fantasia parlamentar em letra de lei. Com que dinheiro e com que gente se mandar limpar a eito o país, todos os anos?
Curiosamente, num país onde o melhor sistema é a máquina fiscal, a "taxa de conservação florestal" não avançou, apesar de andar a bailar na Assembleia da República desde 2019. Custando o combate a fogos e prevenção 306 milhões por ano, cada português tem de pagar 30 euros/ano para que o negócio das monoculturas tenha vigilância coletiva. Ora, porque é esta autorização legislativa é alvo de "amnésia coletiva" do Governo? Quem tem medo das celuloses e das grandes empresas de madeiras?
Um país que não conseguiu aprender nada com os erros das monoculturas da floresta (em 2013 ainda liberalizou mais a plantação), pré-anuncia agora em Alcochete a destruição de uma área de montado colossal, um património natural onde está a maior reserva de água da Península Ibérica - isto para fazer um aeroporto com a mesma capacidade de Frankfurt. A avidez é tão grande que a Confederação do Turismo Português não conseguiu esperar pelo abrandamento da crise dos fogos e revelou a correr um estudo sobre quanto perdemos sem um novo aeroporto. Milhões de milhões. Sabemos que o turismo é bom para a economia. Só que o excesso de turismo destrói tudo. Também fizeram as contas às potenciais perdas da sobrecarga de Lisboa?
Ou seja: depois da monocultura da floresta, a monocultura do turismo. Em cima de ondas de calor crescentes. E mesmo assim as grandes decisões surgem como nada de realmente catastrófico estivesse a acontecer. Ora, sem as metas do Acordo de Paris e menos emissões, adeus turismo, adeus agricultura e floresta, adeus água. Está à vista. Quando, na verdade, podíamos ter um pouco de tudo se não nos orientasse esta ganância: extrairmos tudo o que podemos do planeta cada vez mais depressa, deixando uma situação irreversível aos nossos filhos e netos.