Num raro ato de reprovação dos norte-americanos em relação às atitudes dos aliados sauditas, o Departamento de Estado dos EUA manifestou ontem a sua preocupação em relação à execução do clérigo e opositor xiita Nimr al-Nimr e ao impacto que ela pode ter numa região já por si tensa e conflituosa..Num comunicado divulgado 24 horas depois de ter sido conhecida a execução do xeque saudita, com outros 46 condenados à morte na Arábia Saudita, os EUA avisam que esta morte pode "exacerbar tensões intercomunitárias numa altura em que é urgente apaziguá-las". O documento, assinado pelo porta-voz da diplomacia norte-americana, John Kirby, exorta o governo saudita "a permitir que a contestação se expresse pacificamente"..[artigo:4961750].Declarando que os EUA estão "particularmente preocupados", o responsável do departamento liderado por John Kerry apelou ainda aos vários responsáveis da região do Médio Oriente "que redobrem os esforços para conter a escalada das tensões regionais"..Isto depois de na madrugada de sábado para ontem a embaixada saudita em Teerão ter sido incendiada por manifestantes (trazendo à memória o assalto à embaixada dos EUA em 1979). Mais de 40 pessoas foram detidas pela polícia, confirmou o procurador da capital iraniana, Abbas Jafari-Dolatabadi, citado pela agência iraniana ISNA..[artigo:4962512].Ontem, mais de mil pessoas manifestaram-se em dois locais de Teerão contra a Arábia Saudita. Um desses locais foi nas proximidades da embaixada saudita, apesar da interdição do governo para evitar aí novos incidentes. Durante o protesto, os manifestantes gritavam "morte a Al-Saud", o nome da casa real saudita, pegando fogo a bandeiras dos EUA e de Israel. As forças antimotim conseguiram impedir os manifestantes de se aproximarem da representação diplomática saudita em Teerão, que ficou parcialmente queimada..A ira dos manifestantes coincide com a dos líderes iranianos. "O derramamento injustificado de sangue deste mártir vai ter rápidas consequências", disse ontem o ayatollah Ali Khamenei perante um grupo de clérigos na capital, prevendo uma "vingança divina" contra a Arábia Saudita (país islâmico de maioria sunita). "Este académico não encorajava as pessoas à ação armada nem conspirava. A única coisa de que é culpado é de fazer duras críticas públicas, impelido pelo seu zelo religioso", sublinhou o líder supremo do Irão (país islâmico de maioria xiita)..[artigo:4931784].Na sequência destes acontecimentos, a Arábia Saudita anunciou o corte de relações diplomáticas com o Irão. A comunicação foi feita pelo ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al-Jubeir, acrescentando ainda que todos os diplomatas iranianos presentes na Arábia Saudita terão de abandonar o reino sunita no prazo de 48 horas..Mais críticas no Iraque e Líbano.Noutros países muçulmanos, outros dirigentes xiitas importantes também vieram reagir. O ayatollah Ali al-Sistani, líder máximo dos xiitas no Iraque, comentou a execução de Nimr al-Nimr dizendo que "o seu sangue puro foi derramado numa agressão injusta". No Líbano, o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, denunciou "a mensagem de sangue" enviada pela casa Al-Saud. "Os Al-Saud querem uma luta entre os sunitas e os xiitas. Foram eles que começaram no passado e são eles que o estão a fazer agora em várias partes do mundo", afirmou o líder do grupo radial xiita..Acusada por várias vozes de estar na origem do Estado Islâmico (além de estar a interferir e em confronto com os iranianos por via de terceiros no Iémen), Riade tenta limpar a sua imagem participando na coligação internacional que, sob liderança dos EUA, tem estado a bombardear posições dos jihadistas na Síria e no Iraque. E anunciou, há pouco tempo, a formação da sua própria coligação de países islâmicos contra o EI. Esta peca, porém, por excluir os xiitas..O clérigo executado, que está na origem da escalada de tensão (pois houve protestos noutros países islâmicos além do Irão), era um dos maiores críticos da dinastia sunita dos Al-Saud, tendo sido uma das principais figuras do movimento de contestação que irrompeu em 2011, no contexto da Primavera Árabe. Al-Nimr, de 56 anos, foi detido em julho de 2012 e em outubro de 2014 condenado à pena capital. Ativistas dos direitos humanos denunciaram um julgamento injusto. No comunicado do Departamento de Estado essa questão não é esquecida: "Pedimos ao governo da Arábia Saudita respeito pelos direitos humanos e um julgamento transparente em todos os casos"..[artigo:4962399]