EUA pedem a Portugal "maior sentido de urgência" em relação à Venezuela
O representante especial dos EUA para a Venezuela, Elliott Abrams, defende que deve haver "um maior sentido de urgência" da parte do Grupo de Contacto Internacional sobre a Venezuela, mas também dos países vizinhos. "Devia haver um maior sentido de urgência em Portugal e em Espanha e nos vizinhos da Venezuela, como Colômbia, Equador, Peru e Brasil", defendeu esta tarde, durante um encontro com jornalistas na embaixada dos EUA em Lisboa.
Abrams, que falou aos jornalistas antes de uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, mostrou-se de acordo com o chefe da diplomacia espanhola, Josep Borrell, que na segunda-feira instou a União Europeia a "acelerar" o trabalho diplomático de apoio a uma solução para a crise neste país. "O objetivo da visita a Lisboa é ver o que podemos fazer para sermos mais efetivos na promoção da democracia na Venezuela", disse Abrams, que segue depois para Madrid.
O Grupo de Contacto, que inclui Portugal e Espanha, foi criado para tentar favorecer a realização de eleições presidenciais na Venezuela, visto a reeleição de Nicolás Maduro não ser reconhecida por parte da comunidade internacional, e para ajudar na distribuição de ajuda humanitária. Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional (dominada pela oposição), recorreu à Constituição venezuelana para, a 23 de janeiro, assumir a presidência interina do país, algo que é reconhecido por 54 países do mundo.
Abrams rejeita as acusações dos apoiantes de Maduro de que os EUA estão a tentar fazer um golpe na Venezuela. "Houve um golpe na Venezuela no último mês de maio, quando Maduro impediu a realização de eleições livres. E todos os observadores internacionais disseram que não foram eleições livres e é por isso que o seu atual mandato é ilegítimo", lembrou o representante especial para a Venezuela.
"Isso não é o que os EUA estão a fazer. Os EUA estão a fazer e a dizer que a Venezuela precisa de eleições livres e de um governo legítimo e a única forma de o conseguir é ter eleições livres e justas, com observadores internacionais. É só isso que queremos. Não temos um candidato à presidência, não estamos a tentar dirigir o futuro da Venezuela. Só estamos a apoiar o vasto número de venezuelanos que querem um fim para este regime", defendeu Abrams.
Questionado sobre o sentimento anti-americano que parece existir na Venezuela, o diplomata lembra que Maduro responde a cada protesto convocado por Guaidó com outro protesto, havendo indicações de que os manifestantes pró-regime são pagos. "Quando gritam estes slogans "Fora os EUA" será que isto representa a sua opinião ou é, numa situação económica desesperada, uma forma de conseguir uma refeição grátis ou dinheiro? Além disso, é do interesse de Maduro dizer que isto são os EUA contra a Venezuela, mas 54 países reconheceram Juan Guaidó como presidente interino".
Elliott Abrams reconhece a influência que Portugal tem em relação à Venezuela dentro da União Europeia, por causa do elevado número de portugueses e lusodescendentes no país e dos interesses venezuelanos no nosso país. "Portugal tem sido um líder em apoiar a democracia na Venezuela e em apoiar o povo venezuelano, que exige um regresso à democracia. Nisso, os EUA e Portugal estão em completo acordo, no reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino e na necessidade de eleições livres", referiu o representante especial dos EUA para a Venezuela.
Subsecretário de Estado para a América Latina na presidência de Ronald Reagan, Abrams lembrou que, nessa altura, quase todos os países na região eram ditaduras. Havia duas exceções: Costa Rica e a Venezuela, que era então o país mais rico na América Latina. "Ver a Venezuela agora, sob uma ditadura e com uma situação económica e humanitária desesperada é trágico", afirmou.
Em relação ao que a União Europeia pode fazer, o diplomata defende mais sanções económicas contra indivíduos específicos ligados ao regime, restrições às viagens, lembrando que estas são medidas que não "prejudicam o povo venezuelano, mas os ladrões que lhes roubam o dinheiro".
Quanto às sanções mais gerais, lembra que os esforços dos EUA têm sido de garantir que estes são acompanhados de ajuda humanitária, mas que Maduro não tem deixado entrar essa ajuda. "Todos podíamos tentar responder a alguns destes problemas, alimentos, medicamentos, se houvesse porta aberta à ajuda humanitária", refere, defendendo a necessidade de neutralidade e independência neste plano. "Este regime usou, no passado, a comida como uma arma política. Entregar as coisas ao regime não fará bem ao povo venezuelano."
Maduro tem dito que não existe crise humanitária, que não precisa de ajuda. "Eles têm que reconhecer a escala da crise humanitária na Venezuela e permitir uma resposta global para isso e não o fizeram ainda".
Numa reação às declarações do representante especial dos EUA para a Venezuela, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, numa nota enviada ao DN, sublinhou: "As duas partes trocaram informações e pontos de vista sobre a situação na Venezuela. Uma e outra coisa são muito importantes para o trabalho que Portugal desenvolve em apoio da sua comunidade, no quadro da UE, no quadro do grupo de contacto internacional e no quadro dos contactos com o grupo Lima".
Apesar de haver 54 países que apoiam Guaidó, há outros que continuam do lado de Maduro. Entre eles a Rússia, que enviou recentemente militares para a Venezuela.
"O papel da Rússia na Venezuela é completamente negativo e inútil. Não estão a mandar grandes quantidades de ajuda humanitária, não estão a ajudar a Venezuela a recuperar a sua prosperidade ou democracia. O que eles parecem querer é, em primeiro lugar, ser reembolsados pelos empréstimos e investimentos que fizeram e, em segundo lugar, simplesmente pôr o dedo no olho dos EUA", disse.
"Mas não acho que vamos ver uma grande presença militar russa na Venezuela, com milhares de tropas, porque isso não seria aceitável para os EUA", indicou, rejeitando que possam ser dissuasivos se houver uma intervenção militar dos EUA. "Os russos têm uma centena de pessoas no terreno. Exorto-os, se chegar a isso, a saírem da frente. Mas não é isso que estamos a falar agora. Estamos a falar das pressões que existem e das formas de aumentar essas pressões para podermos pacificamente voltar a pôr a Venezuela no caminho da democracia".
Em relação aos países que apoiam Maduro, Abrams defendeu que Cuba só está interessada no petróleo grátis e vão ficar com ele enquanto ele o conseguir fornecer (mesmo com os cortes recentes). Sobre a Rússia, a questão é "geopolítica" mais do que "económica".
Já sobre a China, a questão é económica. "Fizeram investimentos significativos e empréstimos e querem o dinheiro de volta", refere Abrams, indicando que os EUA têm precisamente tentado explicar aos chineses que com Maduro isso não vai acontecer. "Nunca haverá recuperação económica com Maduro, logo, se estão interessados em ser pagos, deviam ser a favor de uma mudança política, porque isso abre o caminho à recuperação económica".
"O presidente Donald Trump diz sempre que todas as opções estão em cima da mesa e diz isso porque é verdade. Há muitas opções para os EUA, começando pelas que estamos agora a usar: pressão económica, pressão financeira, pressão diplomática, pressão politica. Ninguém quer uma resolução militar. Nem na Venezuela nem fora da Venezuela. Mas essas opções existem", referiu, admitindo que ninguém sabe como será a situação daqui a três meses.
Abrams recorda a proposta de resolução que foi vetada pela Rússia no Conselho de Segurança dos EUA, a pressão que tem sido feita na Organização de Estados Americanos e diz que esse é o caminho que querem seguir. Contudo, "nenhum presidente vai fechar outras opções no futuro", rejeitando que este tema possa pôr os EUA contra Portugal (que se tem mostrado contra uma eventual intervenção militar na Venezuela).
O diplomata diz que os EUA vão continuar a aumentar a pressão sobre Maduro, com mais sanções e mais revogação de vistos. "Defendemos uma mudança, o início da transição para a democracia, o mais rapidamente possível, porque a situação humanitária está a decair muito rapidamente", lembrou, enumerando os problemas que os mais recentes apagões estão a causar, impedindo bombear a água e levando ao aumento de várias doenças como a cólera.